Da simbiose literatura/existencialismo
Foi principalmente através da literatura que muitas das ideias do existencialismo encontraram o caminho perfeito para serem transmitidas. Dostoievsky é um bom exemplo. No livro Memórias do Subterrâneo, cria um anti-herói que se sente revoltado contra as pretensões optimistas do humanismo racionalista. A própria ideia de natureza humana, que surge nestas e em outras obras do autor russo, encontra-se corrompida pela perversidade e pela autodestruição, onde só o amor cristão pode salvar a humanidade de si mesma. Num outro plano, Kafka apresenta-nos o homem isolado, a enfrentar burocracias labirínticas e destruidoras, onde os temas como a angústia, culpa e solidão, são um reflexo da influência de Kierkegaard, Dostoievsky e Nietzsche. A influência de Nietzsche é também visível em alguns romances de André Malraux e nas obras de teatro de Sartre. Já Albert Camus explora o absurdo, a futilidade da existência e a necessidade de compromisso com uma causa justa. Encontramos, também, o reflexo de conflitos existênciais nas obras de teatro de Samuel Beckett e Eugene Ionesco. Mesmo nos Estados Unidos a influência do existencialismo pode ser sentida (apesar de uma maneira mais indirecta e difusa) nas obras de Walter Percy e John Updike, e vários temas existencialistas (individualismo moral, subjectividade, escolha e compromisso, horror e angústia) são evidentes nas obras de escritores como Norman Mailer, John Barth e Arthur Miller. Em Portugal o primeiro nome que surge é o de Vergílio Ferreira, que depois de uma experiência neo-realista se instalou definitivamente, com o romance Mudança, no campo da interrogação, na questão existencial. E não podemos esquecer autores como Raul Brandão (Húmus), Almeida Faria (Rumor Branco), Nuno Bragança (A Noite e o Riso), Herberto Helder, Antero de Quental, Fernado Pessoa, Camões, Bernardim Ribeiro. A simbiose é clara, tanto mais que a literatura e a filosofia partilham entre si a mesma preocupação, o mesmo desejo: a interrogação, o reinventar da vida e do mundo.
1 comentário:
talvez porque é na literatura que melhor o mundo se conjuga na primeira pessoa, na pessoa da sua existência.
Luís Ene
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