Calendário


Não sou destas coisas, mas mal pergunte: como estão os vossos níveis de apoio incondicional à política de ingerência belicista da NATO na Ucrânia, agora que o barco está a ir ao fundo e os ratos começam a abandoná-lo?

Tim Carpenter





Através da página de Instagram de John Gossage (fotógrafo que muito admiro), chego ao trabalho fotográfico de Tim Carpenter. Desconhecia por completo o trabalho deste fotógrafo, mas ao visitar a sua página fiquei logo vidrado, tais são as afinidades que nele encontro. Senti o mesmo quando descobri a poesia de António Reis (que me foi dada a conhecer pelo poeta António Cabrita, quando escreveu um texto sobre o meu livro de poemas "Teorias", e referiu a poesia de Reis como uma possível influência) e de William Carlos Williams (que descobri por mim ao tropeçar no seu nome num texto sobre a geração Beat). Acredito que Tim Carpenter passará a ser um fotógrafo que visitarei várias vezes. E que sem dúvida alguma citarei na fotografia que faço.
Foto: Tim Carpenter

Árvore, Rua André de Resende, Lisboa, 11 de Fevereiro 2025

 






Versões: Breyten Breytenbach


quatro da manhã
sono agitado por sonhos
de viagens que
não podem ser compreendidas
de lugares que
não podem ser entendidos
a casa range
como as articulações do infinito
os corredores cheios
do aroma intoxicante
da podridão doce das goiabas
bananas abacates ananases
fruta de uma vida

saberes que os corpos celestes estão à noite em chamas até que a luz da madrugada os extingue saberes que a montanha é uma sombra negra repleta dos sons abafados da vida que amassa na terra saberes que a montanha cuspirá estrelas com mapas de viagens que não podem ser compreendidas saberes que o oceano está sempre ali à noite uma trémula faixa negra saberes também que compreendê-lo nunca descreverá o oceano e saberes que és uma pessoa no meio de pessoas que vagueiam no fogo da morte e saberes que os teus apenas aqui estão para partir que o amor é construído e o riso e o choro e toda a gente tem um sonho como uma pedra transformada em bandeira numa paisagem nocturna a viagem que não pode ser entendida deve ser explicada na fraca luz que não pode ser compreendida até aqui: tu e os teus e nós e também eu o crepúsculo o silêncio antes do canto das aves com este vago verso desenhado no vislumbrar do vazio: as rimas do amor recitais de pesar um pedido de ajuda à relutância da luz morta que há muito se foi e que é agora apenas chama cicatrizes histórias murmuradas de viagens que não podem ser compreendidas para um desaparecer que não pode ser conhecido
Seapoint, 7 de Outubro 2015

em die na-dood, a partir da tradução do africânder para inglês de John Mateer, Human & Rousseau, 2017, pp. 205-7.

Poça de água e folhas, Alameda Padre Álvaro Proença, Lisboa, 30 de Janeiro 2025




At a time when, more than ever before, we have to live by hope, the question is what photography can contribute.

Robert AdamsWhy People Photograph, Aperture, 2023, p. 102

Cacto do Jardim Sustentável do Bairro de Santa Cruz, Rua Actor Nascimento Fernandes, Lisboa, 30 de Janeiro 2025

 






Um poema de Tao Yuanming

Desde há milhares de anos
que a virtude
dá lugar à ruína
a miséria ocupou o coração
tão ocupados que estão com a fama,
o mais precioso bem de cada um
que nem um copito de vinho bebem.
É isto que caracteriza o nosso tempo
mas a vida, quanto dura?
Tão rápida quanto um raio ela passa
tens cem anos para mostrar o que vales
aproveita-os, que remédio...



em Poesia e Prosa, selecção, introdução e versão portuguesa de Manuel Afonso Costa, Assírio & Alvim, 2019, p. 47 

Versões: Gwendolyn Brooks


Uma canção no quintal da frente

Passei toda a vida no quintal da frente.
Quero espreitar o quintal de trás
Por tratar, onde crescem famintas ervas daninhas.
Uma rapariga cansa-se de rosas.

Quero ir ao quintal de trás agora
E talvez descer pela viela abaixo,
Onde as crianças do asilo brincam.
Quero passar bem o dia.

Elas fazem coisas maravilhosas.
Divertem-se alegremente.
A minha mãe desdenha, mas tudo bem,
Porque não vão para dentro às nove menos um quarto.
A minha mãe diz que a Johnnie Mae
Vai crescer e tornar-se numa mulher leviana.
Que mais cedo ou mais tarde o George vai preso
(No Inverno passado vendeu o nosso portão das traseiras)

Mas está tudo bem. A sério que está.
Também gostaria de me tornar numa mulher leviana,
E usar corajosas meias e ligas negras como a noite
E andar pelas ruas toda maquilhada.



em The New Anthology of American Poetry – Postmodernisms: 1950–Present, Volume III, Rutgers Universaty Press, p. 109

 

 

Slavoj Žižek

O universo de Lynch é efectivamente o universo do «sublime ridículo»: as cenas ridículas mais patéticas (aparecimento de anjos no final de 'Twin Peaks - Os Últimos Dias de Laura Palmer' e 'Coração Selvagem', o sonho do pintarroxo em 'Veludo Azul') são para levar a sério. Contudo, como já sublinhámos, o mesmo se aplica às figuras «maléficas» ridículas na sua violência excessiva (Frank em 'Veludo Azul', Eddy em 'Estrada Perdida', o barão Harkonnen em 'Duna'). Mesmo uma figura repugnante como Bobby Peru em 'Coração Selvagem' representa uma «força vital» fálica excessiva, uma afirmação incondicional de vida. em Lacrimae Rerum, tradução de Luís Leitão, Orfeu Negro, 2013, p. 259.

Calendário


A minha relação com a fotografia, em primeiro lugar, é a do jogo, procurar todos os dias um novo desafio. Experimentar, pisar terreno desconhecido, ir até onde me falta pé. Há muito aprendi que viver daquilo que faço do ponto de vista artístico/criativo (poesia, teatro, edição, fotografia) é impossível. Mas como refere Robert Adams: se um fotógrafo não consegue viver da fotografia, ao menos que ela o faça sentir vivo.

Recanto com porta, Almeirim, 12 de Janeiro 2025

 



Charneca, Almeirim, 12 de Janeiro 2025

 





Como já aqui uma vez disse: não sou contra a grandiloquência da fotografia de paisagem, mas pouco ou nada me diz. Interessa-me mais a problemática da paisagem alterada pelo homem (como tão bem exploraram os "New Topographics") seja pela sua plena presença, seja através de pequenos pormenores, como uma vedação, ou o solo remexido.

Um poema de Elena Toumazi



A Toupeira e o Sol (excerto)



Não têm tempo para medir
as camadas de pó
que se acumulam e crescem
a cada dia
sobre a confortável cama
mobília de casa
janelas e portas.


Sobre limpar, nem uma palavra;
de algum tempo para cá as coisas entraram
num ritmo
que retira toda a esperança.
Permanecem sem falar
a olhar para os desconhecidos e novos objectos
desaprovados pelas suas
velhas coisas
espessas como pó.

“Arrumar um e depois outro” Um suspiro de admiração toma conta de mim. “O primeiro um pouco mais para a direita e ficará perfeito.” Mãos quentes cobrem o meu corpo os teus olhos ardem. “Muito bem. Agora muda os dois ao mesmo tempo. É necessária precisão e sistematização de movimentos”. Fragmentos do nosso poema atravessam o mar a voar. A água e a luz numa mesma união. Estes seres humanos ficaram esquecidos no meu caminho, construíram as suas casas junto aos meus pés, sentam-se a resolver exercícios ou a escrever música nas palmas das minhas mãos. E aquele que sobre os meus ombros ri alto e aquele que come o meu cabelo pensando que são malvas. Onde os coloco? Onde os deixo? Estes seres humanos têm belos olhos mas corpos pesados como ferro. Até os seus beijos ficaram gravados na minha pele quando me confundiram com um prado. Interrogo-me sobre como irei apagar os versos e as cores agora que estão de partida.
em Anthology of Cipriot Poetry, versão minha da tradução do grego para inglês de Amy Mims, Nicosia-Cyprus, 1974, pp. 214-215

Corrimão da Estação de Metro Avenida, Lisboa, 9 de Janeiro 2025