A história vê-se manipulada para alimentar estes conflitos, quando deveria ser utilizada para os compreender, para conhecer as suas raízes e o que está em jogo. Mas o instantâneo é mais adequado à narrativa que os comentadores querem transmitir. Para eles, a conclusão é óbvia: a guerra na Ucrânia começou a 24 de Fevereiro de 2022 e a guerra em Gaza a 7 de Outubro de 2023; num caso, a Rússia atacou a Ucrânia e no outro, o Hamas atacou Israel. Ora, as vítimas têm todo o direito de se defender, e o Ocidente tem todo o direito de as ajudar a fazê-lo. Está demonstrado o que se queria demonstrar.
Não que seja falso. Mas dar um passo atrás dá uma imagem completamente diferente. A guerra na Ucrânia não pode ser compreendida sem recordar que, quando a URSS entrou em colapso, enquanto a Rússia estava de joelhos e já não constituía uma ameaça, os Estados Unidos optaram por manter a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Esta integrou a seguir um número crescente de antigos membros do Pacto de Varsóvia, bem como de antigas repúblicas soviéticas, com planos para integrar a Geórgia e a Ucrânia. Uma aliança anti-russa, um enorme destacamento militar e estratégico às portas da Rússia. Imagine-se, como ironiza Noam Chomsky, que o México assina uma aliança militar com a China e, depois, autoriza a China a estacionar tropas e armas mesmo junto à fronteira americana, apesar dos avisos de Washington… Se os Estados Unidos reagissem invadindo o território mexicano, quem acredita que a União Europeia, preocupada em fazer respeitar o direito internacional, entregaria dezenas de milhares de milhões de dólares ao país agredido?
em Le Monde Diplomatique - edição portuguesa, Outubro 2024, p. 25.
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