Um poema de Hugo Miguel Santos


Station Boltanski


Podemos seguir,
uma vez mais, as cinzas,
o imundo páramo
dos que venceram:

chamemos-lhe história,
por exemplo, memória colectiva,
humanidade.

Podemos achar no cinismo
um dom, nos deuses a mais medíocre
piedade: inocência.

Podemos compactuar
com o silêncio de todos nós:
os culpados.

Podemos apagar rostos,
nomes, famílias inteiras.

Podemos calar
o grito que nos abafa,
transcendendo a terra
a todo o vapor

como um longo cigarro
de pólvora que não se apaga.

Podemos cavar no mais alto dos céus
a mais profunda campa.



em Ballarò e Outros Motetos, s/l: Cutelo, 2024, pp. 48-49.

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