Lí por aí


A participação no mundial de futebol do Catar legitima a corrupção, a violação de direitos humanos e a escravatura. É uma tripla que demonstra de modo claro e inequívoco a hipocrisia inerente a diferentes instituições com responsabilidades desportivas e políticas. A mensagem é: o dinheiro relativiza tudo. Portanto, esqueçamos quanto havíamos aprendido sobre ética, moral e axiologia. As tão apregoadas crises de valores já nada têm que ver com conflitos geracionais, são um produto da sobrevalorização do dinheiro e do capital. Face ao valor do dinheiro, a vida humana, o amor, a liberdade, nada valem hoje para quem está no poder e com o poder. É este o significado derradeiro da mensagem enviada por todos quantos desvalorizam e desprezam os direitos humanos, sejam eles quem forem. Menosprezar, por causa de um espectáculo desportivo, a escravatura de milhares de trabalhadores que pereceram em condições miseráveis a construir luxuosos estádios de futebol, não tem apenas um significado simbólico. É ciência pura. O mal está legitimado. Vladimir Putin está legitimado. Tudo quanto julgávamos repugnante e censurável está legitimado. Não há diferença nenhuma entre o mundial do Catar e o Coliseu de Roma. Acabámos de regredir até esses tempos, protegidos pela higiene do ar condicionado com que se disfarçam uma absoluta insensibilidade social e uma anestesiante indolência moral.

Henrique Manuel Bento Fialho
em Antologia do Esquecimento

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