Pedagogia da pobreza - Margarida Botelho

in Avante!, 15 de Setembro 2022


Isabel Jonet, pre­si­dente do Banco Ali­mentar contra a Fome, usa volta e meia me­tá­foras para ex­plicar o seu pen­sa­mento.

Em 2012, com as con­sequên­cias do pacto de agressão das troikas no auge, Jonet foi à te­le­visão falar nas «pes­soas que vivem muito acima das suas pos­si­bi­li­dades (...) se não temos di­nheiro para comer bifes todos os dias não po­demos comer bifes todos os dias», se­guindo-se ra­di­o­gra­fias, con­certos rock ou lavar os dentes sem copo como exem­plos de «viver acima das pos­si­bi­li­dades». Também falou de cri­anças na es­cola sem pe­queno-al­moço assim: «é inex­pli­cável. Deve-se, em parte, à não res­pon­sa­bi­li­zação e falta de tempo dos pais. Sem o pe­queno al­moço, os alunos não podem ter ren­di­mento es­colar».

Em 2014, a culpa foi dos de­sem­pre­gados: «dias e dias in­teiros agar­rados ao Fa­ce­book, ou a jogos ou a falsos amigos que não existem», vi­vendo «uma vida que é uma total ilusão», quando po­diam par­ti­cipar em ac­ções de vo­lun­ta­riado que lhe au­men­tassem as chances de ar­ranjar em­prego.

Em 2022, volta à carga, a pro­pó­sito do «apoio» de 125€: «Quando se atribui uma ajuda deste tipo, única, é im­por­tante fazer uma pe­da­gogia e ex­plicar às pes­soas que não podem ir gastar estas verbas todas de uma só vez até porque isso pode ter um efeito que é con­trário ao nível da in­flação. (…) As fa­mí­lias têm de per­ceber que têm de ajustar os seus con­sumos e as suas ne­ces­si­dades a esta nova re­a­li­dade (…) Há quase um in­cen­tivo às pes­soas que­rerem mais apoios so­ciais e menos res­pon­sa­bi­li­dade na pró­pria vida.»

Há quem diga que são de­cla­ra­ções de quem não co­nhece a re­a­li­dade. É di­fícil acre­ditar que seja o caso de Jonet, há mais de 25 anos a tempo in­teiro no Banco Ali­mentar. Na ver­dade, são de­cla­ra­ções de quem acha que há po­breza porque a vida é assim e sempre houve ricos e po­bres. Porque são ve­lhos, não têm ca­beça, são ir­res­pon­sá­veis ou man­driões, pre­cisam de uma «pe­da­gogia» para aprender a viver com o que têm.

Por aqui, pra­ti­camos a «pe­da­gogia» de criar mais ri­queza, dis­tribuí-la me­lhor, usar os re­cursos com ra­ci­o­na­li­dade. Uma «pe­da­gogia» de so­be­rania, di­reitos, igual­dade e luta. São op­ções.

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