Um poema de Carmelina Sánchez-Cutillas


Sairei pelos caminhos


Sairei pelos caminhos a mostrar-me solícita;
comerei côdeas com todos os vagabundos;
falarei noutra linguagem, com sotaques mais sinceros,
e beberei a água-pé que embriaga os pobres.
No caso de o bolso estar cheio de beatas,
será um fumo que nunca provei, aprazível.
Os meus amigos pássaros não fugirão ao ver-me,
e a chuva, a árvore e a fonte amar-me-ão.
Se a estrela me acompanhar, eu dormirei no palheiro
— não sem esquecer primeiro o mundo que me rodeia —
e terei antes furtado a um espantalho alegre
o chapéu cheio de quera, que cobre a minha cabeça.
Tudo para achar a luz, numas dúvidas, numas palavras
que arrasto com medo desde a adolescência.


em Resistir ao tempo — antologia de poesia catalã, organização e tradução do catalão de Àlex Tarradellas, Rita Custódio, Sion Serra Lopes, Lisboa: Assírio & Alvim, 2021, p. 397.

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