Jubileu - Anabela Fino


O Reino Unido ce­le­brou nos úl­timos dias o Ju­bileu de Pla­tina da rainha Eli­za­beth II, as­si­na­lando os 70 anos da sua su­bida ao trono, em 1952, como se de um conto de fadas se tra­tasse. A bem oleada má­quina de pro­pa­ganda bri­tâ­nica ga­rantiu que ne­nhum por­menor fosse des­cu­rado e, de mãos dadas com as suas con­gé­neres mundo afora, serviu o es­pec­tá­culo que mi­lhões de es­pec­ta­dores con­su­miram.

Entre ce­ri­mó­nias ofi­ciais, festas po­pu­lares, des­files de modas e fo­focas de todo o tipo, não terá sido di­fícil ca­tivar o pú­blico, até porque a em­patia com a quase cen­te­nária se­nhora dos fatos co­lo­ridos e ou­sados cha­péus ou com os bis­netos que ainda não se vergam ao pro­to­colo é quase ga­ran­tida.

Du­rante quatro dias, as pro­gra­ma­ções te­le­vi­sivas foram pre­en­chidas com o fait di­vers do Ju­bileu, «es­cre­vendo» a his­tória do rei­nado de Eli­za­beth II des­li­gada da his­tória do Im­pério «onde o Sol nunca se põe», como era co­nhe­cido o Im­pério Bri­tâ­nico quando do­mi­nava um quarto da po­pu­lação mun­dial e quase outro tanto das terras do pla­neta.

No conto de fadas ser­vido no Ju­bileu, os aci­dentes de per­curso fi­caram-se pelos dramas do­més­ticos, dis­so­nân­cias num mundo cor-de-rosa que não be­liscam a His­tória ofi­cial.

A mai­oria dos bri­tâ­nicos está con­ven­cida disso mesmo, como re­velou em 2016 um es­tudo da YouGov, se­gundo o qual 44% dos in­qui­ridos se di­ziam or­gu­lhosos da his­tória co­lo­nial, 23% não ti­nham opi­nião e apenas 21% a la­men­tavam. A mesma son­dagem dava conta de que 43% dos bri­tâ­nicos pensam que o co­lo­ni­a­lismo foi po­si­tivo, 23% não sou­beram ava­liar e apenas 19% o con­si­de­ravam ne­ga­tivo.

Esta «am­nésia co­lec­tiva», como al­guém lhe chamou, sobre as atro­ci­dades da po­lí­tica co­lo­nial bri­tâ­nica, não faz de­sa­pa­recer um pas­sado mar­cado a ferro e fogo por crimes como o co­mércio de es­cravos; os campos de con­cen­tração na África do Sul para sub­jugar os bóeres; o mas­sacre de Am­ritsar, na Índia, em 1919, que causou mais de 300 mortos e mais de mil fe­ridos numa ma­ni­fes­tação pa­cí­fica contra o do­mínio co­lo­nial; a di­visão da Índia, em 1947, com a cri­ação do Pa­quistão, pro­vo­cando uma guerra que matou mais de um mi­lhão de pes­soas; a De­cla­ração de Bal­four, em 1917, em que a Grã-Bre­tanha apoia pela pri­meira vez o «es­ta­be­le­ci­mento de um lar na­ci­onal para o povo judeu na Pa­les­tina», com con­sequên­cias sem fim à vista que os pa­les­ti­ni­anos con­ti­nuam a pagar com sangue; a cha­cina de de­zenas de mi­lhares de que­ni­anos du­rante a Re­volta Mau Mau (1952/​1963) contra a opressão co­lo­nial; etc., etc., etc.

Como terá dito Ed­mund Burke, es­ta­dista, po­lí­tico e es­critor ir­landês do séc. XVIII, «um povo que não co­nhece a sua his­tória está con­de­nado a re­peti-la». En­quanto o que resta do Im­pério se es­boroa, a coroa bri­tâ­nica faz de conta que tem fu­turo no im­pério ame­ri­cano. O sonho co­lo­nial con­tinua.


em Avante!, 9 de Junho de 2022

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