José Amaro Dionísio


Dança

     Os opositores da tourada sangrenta teriam muito que horrorizar-se com o modo tradicional como são mortos os búfalos na Amazónia, não propriamente sob as balas da caçada mas em prosaica criação doméstica. É também um ritual de dança, em que a relação entre animal e homem não admite erros de cálculo nas aproximações, mas muito mais cruel. Desde logo porque o búfalo está preso, de olhos vendados, a um poste. Depois leva um tiro na cabeça, ou se for preciso dois, para amortecer-lhe a fúria. E só aí entra o matador, de faca na mão, a consumar a morte. Envilecido pela prisão e pelas balas, ciclone de pé, o búfalo parece a cada instante que vai arrancar o poste e transformar a agonia numa última cavalgada. Cai e levanta-se, flecte as pernas e arremete. De cada vez que vai ao chão o matador aproxima-se, numa fracção de segundo, e corta-lhe mais um bocado das carótidas. Primeiro de um lado, depois do outro. Isto dura 15, 20, 30 minutos. Até que por fim o animal tomba solitário sobre um lençol de sangue.


em Vidas Caídas - Diário de um repórter na Amazónia, Lisboa: Antígona, 1ª edição, 1993, pp. 17-18.

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