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Fim de tarde. Aventuro-me, pela primeira vez, no mundo de Nelson Rodrigues. A cidade fecha-se à minha volta. Ainda não pesquisei sobre a vida do autor. Ou melhor: sobre a vida do homem que foi autor. Porque as duas, a maior parte das vezes, se confundem. Tento, cada vez mais, separar o trigo do joio. Tento, a força de muitas penas, colocar o homem que é autor de lado, e concentro-me apenas na obra. É certo que, a maior parte das vezes, a obra é inseparável do autor, isto é, da vida deste (repito-me, é certo): Céline, Mishima, Bernhard, Bukowski, Hamsun, Hemingway, Woolf, Crane, Baudelaire, Verlaine, Rimbaud, Joyce, Kerouac. Nas letras lusas, a título de exemplo, temos: Luiz Pacheco, Herberto Helder, Eduardo Guerra Carneiro, Manuel Grangeio Crespo, Fialho de Almeida, Mário de Sá-Carneiro. O leitor perfeito, caso fosse possível, seria aquele que, desinteressado de faits divers, leria a obra sem pensar no autor e no homem que é o autor. Só que a realidade é sempre mais forte e, sem pedir licença, intromete-se. É praticamente impossível alguém desassociar o autor da obra e da vida do homem que é autor. A realidade não deixa. Mais cedo ou mais tarde ficamos a conhecer uma ou outra filha-da-putice deste e daquele. E a redoma onde o autor é muitas vezes colocado: parte-se. Por isso prefiro, cada vez mais, saber menos do homem que é autor. Não pretendo, com isso, ser o leitor perfeito (a perfeição é sobrevalorizada e, verdade seja dita: quem é que quer ser perfeito?). Apenas quero, à minha maneira, evitar partir redomas. Não quero vidro espalhado pelo chão. Gosto de andar descalço.

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