Achille Mbembe


(...) Originariamente, o vocábulo «homem negro» serve, primeiro, para descrever e para imaginar a diferença africana. É indiferente que «preto» designe o escravo, enquanto «negro» se refira ao escravo ainda não escravizado. (...) Ao longo dos séculos XVIII e XIX (...) o termo «homem negro» é atribuído a uma espécie de homem que, embora seja homem, não merece o nome de homem.
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     A expressão «homem negro» é também o nome que se dá ao polígamo, cujo temperamento e miséria tendem para o vício, para a indolência, para a luxúria e para a mentira.
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     Resumindo, dizer de alguém que ele é um «homem negro» é dizer que ele é predeterminado biológica, intelectual e culturalmente pela sua irredutível diferença. (...) No discurso proto-racista europeu, dizer «homem negro» significava, assim, evocar as disparidades da espécie humana e remeter para o estatuto de ser inferior, ao qual o Negro está consignado, para um período da história no qual todos africanos têm um potencial estatuto de mercadoria ou, como se dizia na época, de peça da Índia.


em Crítica da Razão Negra, tradução de Marta Lança, Lisboa: Antígona, 2ª edição, 2017, pp. 129-131.

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