Canone
A
arrogância dos poetas nesses dias
passava
pelo modo como nos cafés
se
dispunham nas mesas: líricos
à
esquerda próximos do balcão
épicos
à direita alguns com chapéu
dramáticos
em pé
na
barra
modernos
sentados mais ao fundo
despejando
sobre brancos papéis de guardanapo
versos
livres brancos de poemas em prosa
ou
olhando avidamente para Rosa
a
empregada mulata de vinte e tantos anos.
Tudo
tão admiravelmente posto em ordem
segundo
preceitos decerto muito antigos
dava
àquela geração de vates surpreendidos
a
aparência vaga de um conjunto de amigos.
Mas
eis que Baudelaire
Mallarmé
Pound Eliot
Wallace
Stevens
chegavam
a ser termos pronunciados
todos
se disputavam
a
recitar um verso de O'Hara
um
terceto de cummings
uma
melopeia à Charles Olson
um
simples dito de Tzara.
Eu
sentava-me nesse café
numa
mesa próxima da porta
e
pedia uma bica
folheava
o jornal
entre
dois goles de meia notícia
evitando
sempre olhar para eles
mais
que um instante breve
o
suficiente para que quase alarmado
me
inteirasse do estado
da
poesia.
Mas
se acaso pela rua distraído
um
gato
corria
atrás de um outro
ou
um cão passava
tão-só
um par de pernas na calçada
já
de jornal na mão
passada
apressada
saltava
para fora do cân-
one
two three four
em Hotel Spleen, Lisboa: Quetzal Editores, 2003, pp. 19-20.
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