Paulo da Costa Domingos


Gestão de Frota

Talvez haja uma saída:
um sentimento avulso
por troca de um sorriso,
uma ligação directa
que queime os dedos
e reanime o corpo.

Talvez mais depressa:
o coração estanque,
sare a indiferença
e torne coesas,
senão aceitáveis,
esperanças e promessas.

Talvez melhor, a manobra:
estacionamento interdito
às portas da Beleza,
cuja supremacia reina
fora d'abcissas ou ordenadas,
fora da lei da geometria.

Talvez a chuva leve lave:
a lama nas ranhuras
invisíveis a olho nu,
os poros negros
sob a barba de dias
nulos, opacos.

Talvez se dê um roubo:
alguém subtraia o beijo
metálico de aranha
na sucção dos fluídos
acelerando o coágulo,
o fim da História.

Talvez acordem:
com o pacto social
invadido pelos monstros
da razão de ser,
paredes ocupadas
pelos seus grunhidos.

Talvez não nos batam:
não pisem, não esmaguem,
não desdigam, não calem,
não omitam, não firam,
não apodreçam, não vençam,
não encostem à parede.

Talvez.


em A Céu Aberto, Lisboa: Averno, 2017, pp. 39-40.


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