Nota de leitura (3)


Diário

Se Deus quiser hei-de morrer
Com tudo feito e por fazer.


Raul de Carvalho
Duplo Olhar (1978)
em Poemas Portugueses
Antologia da Poesia Portuguesa
do Séc. XIII ao Séc. XXI
Porto Editora, 2009, p. 1383.


Raul de Carvalho é talvez um dos poetas mais esquecidos. E é também um dos nossos melhores poetas, apesar de considerar a sua obra um tanto ou quanto desigual (e talvez seja isso mesmo que o faça ser um dos melhores). É um poeta que muito aprecio e este é o único poema que sei de cor. Este poema poderá questionar o leitor: existe poeticidade nele? O seu tom aforístico poderá, de certa maneira, levar ao equívoco e alguém afirmar “isto não é um poema” ou “isto não é poesia”. A primeira afirmação, do meu ponto de vista, é mais tolerável do que a segunda, pois acredito que nada, repito: nada, está excluído da esfera da poesia. Acredito que uma das funções da poesia é revelar aquilo que poderá estar “escondido”. No caso deste poema de Raul de Carvalho, a revelação é evidente: qualquer um de nós irá um dia morrer, e morrerá com tudo feito e por fazer. Novamente, e porque não?, a questão da universalidade do poema. Em qualquer parte do mundo este poema encerra em si uma verdade inequívoca. O poeta apenas se atreveu a dizê-la em voz alta.

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