Walter Benjamin


O destino é o contexto de culpa em que se inserem os vivos, e que corresponde à sua condição natural, aquela aparência ainda não completamente apagada de que o ser humano está tão afastado que nunca conseguiria mergulhar nela, limitando-se a permanecer invisível sob o seu domínio e apenas na sua melhor parte. Não é, por tanto, afinal o ser humano que tem um destino: o sujeito do destino é indeterminável. O juiz pode descortinar destino onde quiser, e ditará às cegas um destino com cada condenação. O ser humano nunca será atingido por esse destino, mas apenas a vida nua nele, que participa da culpa natural e da desgraça devido àquela aparência. Este vivo pode, assim, ser relacionado com cartas e astros, e a vidente serve-se da técnica simples de inserir isso no contexto da culpa recorrendo às coisas mais previsíveis e mais certas – coisas que, de forma não inocente, estão prenhes de certeza. Com isso, ela fica a conhecer pelos sinais algo sobre uma vida natural no ser humano, que procura colocar no lugar da figura nomeada; e por outro lado quem a vai consultar abdica em favor da vida carregada de culpa que traz em si. O contexto da culpa insere-se de forma muito imprópria no fluxo do tempo, na sua natureza e na sua medida totalmente diferente do tempo da redenção ou da música ou da verdade. A plena iluminação destas coisas depende da fixação da forma particular de tempo que é a do destino. A cartomante e a quiromante ensinam-nos, de qualquer modo, que este tempo pode a qualquer momento tornar-se contemporâneo de um outro (não presente). É um tempo não autónomo, parasita de outro tempo, o de uma vida superior e menos natural. Não tem presente, porque esses momentos em que o destino se abate sobre as vidas humanas só existem nos maus romances, e esse tempo também só em variantes muito particulares conhece o passado e o futuro.



em Destino e Carácter, tradução de João Barrento, Covilhã: LusoSofia Press, colecção Textos Clássicos de Filosofia, Universidade da Beira Interior, 2011, p. 9.

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