O destino é o
contexto de culpa em que se inserem os vivos, e que corresponde à sua condição natural,
aquela aparência ainda não completamente apagada de que o ser humano está tão
afastado que nunca conseguiria mergulhar nela, limitando-se a permanecer
invisível sob o seu domínio e apenas na sua melhor parte. Não é, por tanto, afinal
o ser humano que tem um destino: o sujeito do destino é indeterminável. O juiz
pode descortinar destino onde quiser, e ditará às cegas um destino com cada
condenação. O ser humano nunca será atingido por esse destino, mas apenas a vida
nua nele, que participa da culpa natural e da desgraça devido àquela aparência.
Este vivo pode, assim, ser relacionado com cartas e astros, e a vidente
serve-se da técnica simples de inserir isso no contexto da culpa recorrendo às
coisas mais previsíveis e mais certas – coisas que, de forma não inocente,
estão prenhes de certeza. Com isso, ela fica a conhecer pelos sinais algo sobre
uma vida natural no ser humano, que procura colocar no lugar da figura nomeada;
e por outro lado quem a vai consultar abdica em favor da vida carregada de
culpa que traz em si. O contexto da culpa insere-se de forma muito imprópria no
fluxo do tempo, na sua natureza e na sua medida totalmente diferente do tempo
da redenção ou da música ou da verdade. A plena iluminação destas coisas
depende da fixação da forma particular de tempo que é a do destino. A
cartomante e a quiromante ensinam-nos, de qualquer modo, que este tempo pode a
qualquer momento tornar-se contemporâneo de um outro (não presente). É um tempo
não autónomo, parasita de outro tempo, o de uma vida superior e menos natural.
Não tem presente, porque esses momentos em que o destino se abate sobre as vidas
humanas só existem nos maus romances, e esse tempo também só em variantes muito
particulares conhece o passado e o futuro.
em Destino e
Carácter, tradução de João Barrento, Covilhã: LusoSofia Press, colecção
Textos Clássicos de Filosofia, Universidade da Beira Interior, 2011, p. 9.
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