A
GRUA (décimo andamento)
desci os estores até ficar tudo escuro
é o primeiro dia de sol do ano
e eu não quero insultá-lo com as minhas
dores
prefiro ficar no escuro até que me passem
ou passe eu por elas
a falar sozinho sobre os temas inúteis
que insistem em ocupar-me diariamente:
o cheiro a primavera ao fim de uma noite de
trabalho
reuniões sofridas por antecipação
pesadas idades que talvez pudesses levantar
não estivesses também tu condenada ao
fracasso
eu ainda tenho o cão por companhia
e do teu perfil ao longe faço o último
reduto da esperança
mas tu
quem poderás tu ter
que te reinvente as cores do mundo
e te iluda os caminhos do degredo?
estás só como as coisas mais belas
para quem da solidão saiba apenas o nome
tudo o mais é ignorância consentida
que se satisfaz a si própria
eu e tu unidos em pensamento
a driblar no escuro os estorvos da distância
retirado daqui
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