Max Stirner


O defeito da nossa época perpetua-se no facto de o saber não ter alcançado a sua culminação nem ter sido levado à transparência, continuando a ser algo de material e de formal, de positivo, mas sem se elevar até ao absoluto e é por isto que pesa sobre nós como um fardo. Tal como o homem da antiguidade, devemos desejar o esquecimento bebendo a água do rio Letes que traz felicidade dentro de si, pois de contrário não será possível alcançar-se a si mesmo. Tudo o que é grande deve saber morrer e transfigurar-se, abandonando-se à morte; só o que é miserável amontoa, de modo idêntico ao rígido Tribunal Supremo, arquivos sobre arquivos, pondo em cena os milénios, através de decorativas estatuetas de porcelana, à maneira dos chineses e da sua irradicável puerilidade. O verdadeiro saber alcança a sua culminação precisamente quando cessa de ser saber transformando-se na simplicidade de uma pulsão do homem — Vontade. É assim que, aquele que reflectiu longamente sobre a sua «vocação de homem», acaba por deitar num instante todas as inquietações e todas as peregrinações ao Letes de um sentimento simples, de uma pulsão que, desde então, o guiará cada vez mais, pois foi nela que encontrou a sua vocação. Depois de ter perseguido a sua pista por mil e um caminhos e atalhos de uma busca insana, bastou reconhecê-la, para que ela se desabrochasse numa vontade ética flamejante que ao inflamar o seu coração evita que este se disperse na busca, readquirindo, pelo contrário, frescura e ingenuidade.

em Textos Dispersos, tradução de José Bragança de Miranda, Lisboa: Vega, 2003, pp. 61-62.

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