Joaquim Manuel Magalhães


    A poesia é uma queda na linguagem de certas formas emocionais da sabedoria. Os sentidos imersos no mundo, a razão carregada de diálogos interpretativos, a sensibilidade dispersa nos jogos do corpo fomentam um encontro que cresce diante da superfície das coisas e busca atingir o fundo fundamento dos mecanismos que fazem movê-las. A aprendizagem desse crescimento e as conclusões dessa busca transportam o olhar íntimo de alguns para a compreensão da tensa unidade que junta os fragmentos do mundo até ao modelo que configura a sua perfeita distribuição.
   Essa evidência pode ser atingida sem ser partilhada. Mas o homem ocidental procura, sobretudo, a ligação aos outros, a transmissão das suas descobertas ao agregado que o instituiu como seu. Assim, continuamente, aspira à oferta do que descobriu sem palavras, à ultrapassagem do silêncio em que sabe. A sua civilização irrompe como cultura desse silêncio: ela propõe-se como a fixação em palavras e mecanismos do essencial que se descobriu como evidência. Essa mimésis precisa, para existir, de deixar cair para os outros o encontro íntimo da descoberta.
    A poesia é, pois, uma das formas dessa queda. A imitação a que procede daquilo que se pôde saber resulta do transporte para um código partilhável da impartilhável evidência da revelação. Reduz-se ao rumor vocabular o fulgor, que ficaria sem partilha, do silêncio por que se atingiu a peculiar assimilação do segredo do mundo e de si.


em «Uma teoria para João Miguel Fernandes Jorge», posfácio a À Beira do Mar de Junho, Lisboa: Na Regra do Jogo, 1ª edição, 1982, p. 117.
    

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