Um poema de Manuel Cintra


Nada me pertence, nada
se afoga nesta terra deserta de cansaço
Nada é culpa, nada é nascido, tudo cria
embriões para que embriões possam nascer
Eu sou nada e se acaso me afogo
é porque não existo, como os meus amigos
como a arte de imaginar

E a natureza prende-me, se amo é por vir
de um céu imenso onde forças estranhas
me inventaram, e aos meus amigos, e a todo o tanto
que não existe sobre a terra coberta de tudos.

Mesmo deus que não existe me forjou
para a natureza que não existe, a minha
de ser minúsculo e gigante
e não existir


em Escombros, Lisboa: Caminho Editora, 1993, p. 23.