Primo Levi já não suportava a ascensão das teses
revisionistas e negacionistas. Decidira sair da reserva que outrora escolhera,
para incutir uma maior presença em qualquer lado em que lhe parecesse
necessário testemunhar, a fim de não deixar morrer duas vezes os seus
companheiros de campo e para dar um sentido à sua sobrevivência. Páginas,
conferências, colóquios, esclarecimentos, intervenções mediáticas e, depois, a
antepenúltima obra, um artigo publicado na Stampa a 22 de Janeiro de 1986, que
se intitulava «Buco Nero di Auschwitz» (O buraco negro de Auschwitz), no qual
rejeita, ponto por ponto, as teses negacionistas de Hillgruber, para quem as
câmaras de gás se reduzem a uma simples invenção tecnológica – e, por fim, o
suicídio.
A ascensão destas teses na Europa – sob o falacioso
pretexto de uma necessária reconciliação entre os países –, o esquecimento da
condenação daquelas e daqueles que fizeram a história sinistra dessa época, a
ausência de memória que testemunham as novas gerações, a lassidão da maioria
acerca deste tema, a confusão entre os registos virtuais e reais, as misturas
de ficção com imagens de arquivos, o relegar, da parte do público em geral, de toda
a História, digna desse nome, para as calendas gregas e, sobretudo, a
permanência, disseminada pelo mundo, daquilo que fez o nazismo: tudo isto
afecta uma quantidade de deportados que, uma vez regressados, não se contentam
em gerir uma carreira paralela à dos antigos combatentes. Primo Levi era dessa
estirpe.
em A Política do Rebelde – Tratado de Resistência e Insubmissão, tradução
de Carlos Oliveira, Lisboa: Instituto Piaget, 1999, pp. 25-26.
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