Michel Onfray


Primo Levi já não suportava a ascensão das teses revisionistas e negacionistas. Decidira sair da reserva que outrora escolhera, para incutir uma maior presença em qualquer lado em que lhe parecesse necessário testemunhar, a fim de não deixar morrer duas vezes os seus companheiros de campo e para dar um sentido à sua sobrevivência. Páginas, conferências, colóquios, esclarecimentos, intervenções mediáticas e, depois, a antepenúltima obra, um artigo publicado na Stampa a 22 de Janeiro de 1986, que se intitulava «Buco Nero di Auschwitz» (O buraco negro de Auschwitz), no qual rejeita, ponto por ponto, as teses negacionistas de Hillgruber, para quem as câmaras de gás se reduzem a uma simples invenção tecnológica – e, por fim, o suicídio.
A ascensão destas teses na Europa – sob o falacioso pretexto de uma necessária reconciliação entre os países –, o esquecimento da condenação daquelas e daqueles que fizeram a história sinistra dessa época, a ausência de memória que testemunham as novas gerações, a lassidão da maioria acerca deste tema, a confusão entre os registos virtuais e reais, as misturas de ficção com imagens de arquivos, o relegar, da parte do público em geral, de toda a História, digna desse nome, para as calendas gregas e, sobretudo, a permanência, disseminada pelo mundo, daquilo que fez o nazismo: tudo isto afecta uma quantidade de deportados que, uma vez regressados, não se contentam em gerir uma carreira paralela à dos antigos combatentes. Primo Levi era dessa estirpe.



em A Política do Rebelde – Tratado de Resistência e Insubmissão, tradução de Carlos Oliveira, Lisboa: Instituto Piaget, 1999, pp. 25-26.

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