Ao leitor de poesia apresentam-se-lhe duas questões (entre muitas outras)
ao ler um livro de poesia: identifico-me com o que leio ou não me identifico
com o que leio. No entanto, o leitor de poesia não pode esquecer que aquela voz
– com a qual se identifica ou não – é a voz do poeta que está a ler, composta,
é certo, pela voz dos poetas que o poeta leu. Há poetas que rejeitam imagens
aparatosas, exageros metafóricos, adjectivos; outros não aprenderam a “lição”
de Alexandre O’Neill (lembro o poema O
Adjectivo). É claro que O’Neill também diz que a poesia «Se é discursiva, a
poesia/também não serve…». Pedro Afonso (1979) é um poeta que ainda procura a
sua voz (como todo o poeta que se preze). Conhecemos do autor o seu livro
anterior.
O título do seu último livro – a mesma cantiga de sempre (Lua de Marfim,
2012) – remete-nos para um certo desencanto. Ou para o próprio acto poético. Em
primeiro lugar dizer que denota-se uma tentativa de mudança em relação ao tom
do livro anterior. Pedro Afonso procurou, neste livro, livrar-se daquilo que,
no anterior, prendia o desenvolvimento do poema, isto é, uma excessiva
adjectivação e uma asfixia do verso. Pelo contrário, no presente livro, o autor
procura uma adjectivação mais moderada e deixar respirar mais os versos: «por aqui os homens vão maldizendo a
chuva/que os encrava/todos veneram a postura seca que procuram nas roupas/a
apresentação de quem não vem do mundo/da imunidade à vida» (p. 22).
Contudo, em alguns casos, o autor não resiste ao ímpeto metafórico e imagista,
caindo, novamente, no exagerado uso do adjectivo, que podia – e bem – ficar de
fora: «pelas ruas sangram correntes de
mortos aflitos» (p. 24); «há quem se
lembre de viver/encravando o semáforo da semana e interrompa/dos dias o tráfego
sob o escuro gás astuto/que engole o espaço do ar/a meteria invisível do calor»
(p. 26); «aqui lavo o nocturno surro do
tempo/aparo o álcool das peles/com a água gelada que me ruboresce as faces»
(p. 31).
Há, nos poemas aqui apresentados, uma crítica velada ao Homem e à
subjugação deste a um modelo de vida que se encontra obsoleto, mas no qual o
Homem persiste em insistir. Pedro Afonso procura, sem dúvida, uma alternativa: «quase nada de move/no flanco defendido
pelas três amendoeiras erguidas de/idade/caladas imóveis na noite
quente/ordenam o terreno ingreme da afloração do pulso//apenas das cigarras o
ritmo e os cães latindo/e talvez um fio de respiração dos homens/que derramam
pelo medo/no negro infinito/este desenhar constante de redes armadas»
(p.37). Assim, o autor procura na solidão um refúgio, bastante presente nos
poemas que compõem a segunda parte do livro (um braço suicida).
A melhor parte do livro, aquela que para mim está mais conseguida, é a
terceira parte: corpo onde caber. Esqueçamos os adjectivos, as metáforas e uma
ou outra imagem menos conseguida: são belos poemas de amor. Penso que Pedro
Afonso se sente mais à-vontade neste campo: «anoitece-nos tanto essa planície/onde o teu dorso breve se dourava ao
vento/dele herdando a curva contínua/e o que nela se amarrava sobrando dos
dias» (p. 43); «todo o toque é
antecipação do trespasse/essa ilusão de quem tem corpo onde caber» (p. 46).
Pedro Afonso segue o seu percurso. Nele podemos encontrar uma procura.
Esperemos que o autor lá chegue. Encontre.
Pedro Afonso, a mesma
cantiga de sempre, 1ª edição, Póvoa de Santa Iria: Lua de Marfim, 2012, 58 pp.
1 comentário:
foi-me um prazer ler "a mesma cantiga de sempre". abraço.
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