Lí por aí



Os critérios não são difíceis de entender, sobretudo a quem tenha presente as ferramentas com que se mantém de pé a sociedade do espectáculo. Tome-se de exemplo a capa do Atual da última semana, com a palavra sexo em obesos caracteres caídos entre as pernas de uma dominadora com contornos gráficos irrepreensíveis. A chamada tem por objecto o “fenómeno editorial do momento”, mais um, como se não bastasse já, ao longo das últimas décadas, a caterva de fenómenos editorais que vamos aturando. O fenómeno é um livro, o primeiro de outros, intitulado As Cinquenta Sombras de Grey. No interior do suplemento, uma, duas, três, quatro páginas inteirinhas dedicadas ao livro de E. L. James. Para, a um canto, deparar-mos com uma das recensões mais arrasadoras de que há memória em tempos recentes: «escritora absolutamente medíocre», obra de «valor literário nulo». E assim ganha a nulidade à qualidade, em páginas, caracteres e visibilidade. Já no Ípsilon, em proporções menores, Helena Vasconcelos atribui quatro estrelas ao romance A Valsa Esquecida. As 4 estrelas, em 5 possíveis, geram algum entusiasmo, mas depois vamos ler a recensão e: «Apesar de Enright ter um poderoso domínio da linguagem e uma rara capacidade para arrastar o leitor nos meandros das complexas relações humanas (…), A Valsa Esquecida fica aquém das expectativas em termos de trama e de caracterização de personagens. (…) Será Evie, com o seu olhar enviesado, o seu corpo sem transformação, os seus ataques epilépticos e o seu trauma antiquíssimo, o grande trunfo da autora, salvando este romance da mais tremenda banalidade». Imaginem se fosse bom, rebentava com a escala.

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