Um poema de Autor Anónimo

Se chover, veste o impermeável
e espera em casa que o sol volte.
Não deixes, nunca, que se percebam lágrimas,
desejos, ocasiões para mudar da melhor
roupa, da melhor pele e levantar o pescoço
como se não houvesse informações a dar,
como se não tivesses impostos, saunas
e videoclips escondidos numa das tábuas
do chão encerado. Tu, impermeável
alma de olhos enxutos, imprescindível
algema das condenações com risos, doce
segredo dos versos ilegíveis. E, agora, pergunto:
Que raio de contrato te fizeram
na seguradora que também cobre tremores
de alma? Veste alguma coisa como que se veja
a pele, com que se veja televisão,
com que ensine a grande moda
de estar à chuva, de não se ver o sol,
de se ter um revestimento estratificado. Um impermeável
BD, uma crosta resistente, colorida, com telebip
à cintura e olhos de hiena, emissora
nunca mais por falta de pagamento
e de pilhas.
Vai havendo pulhas.
Dormias, sabe-se, quando a ave te respondeu
que não partia à aventura por ter verdete
na cabeça. Dos beirados, claro! Por falta
de segredo. Tanto peso faria com que caísses
do alto do teu olhar. E morresses.

em Subsídios, Suicídios, Ostras Geladas, Lisboa: Frenesi, 1998, pp.34-35.