Nem que seja por um instante
Nem que seja por um instante, desejamos
descansar. Sonhamos conseguir.
Não sei, num lugar qualquer
desde que a vida deponha os seus espinhos.
Um instante, talvez. E regressamos
atrás, ao passado enganador fechado
no mesmo medo de hoje, que dia a dia
naquela altura também conhecíamos.
Esquece-se
pronto, esquece-se o suor de tantas noites,
a nervosa ansiedade que destrói o melhor engano
levando-nos a ele já rendidos
sem outra coisa a não ser esse vazio ao chegar,
a estranha indiferença do que está feito.
Assim de cada vez que este medo,
o eterno medo que tem a nossa cara
nos assalta, gritamos invocando o passado
— invocando um passado que nunca existiu —
para acreditar que ao menos vivemos de verdade
e que a vida é mais do que esta longa pausa,
vertiginosa,
quando a própria vocação, aquela
sobre a qual um dia fundámos o nosso ser,
o nome que demos à nossa dignidade
vemos que não era mais
do que um desolador desejo de nos escondermos.
Jaime Gil de Biedma, «Aunque sea un instante», em Las personas del verbo, Barcelona: Seix Barral, 12ª edição, 2009, p. 39.
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