Um poema de António Quadros Ferro

Sobre a mesa

Não sei se era eu ou eras tu.
Uma mesa redonda
numa recordação próxima entre nós.

E no entanto, coravas, porque não
podias não corar. Natural,
como tu no gesto frágil da tua certeza.
A fragilidade tua de seres mulher
 - para mim - no que deixas ver.

Envelheço uma década no entanto.
Não te perco de vista porém.
Sigo pela minha própria preguiça de
te acompanhar, resvalo noutras cores.

Vivo na medida da verdade
e envelheço mais um pouco.
Peço mais uma cerveja e apercebo-me
do tempo - Que o tempo vem.
Na medida do possível.

Coravas na tua forma de existir.
Sentada sem nunca perderes de vista
os gestos que te acompanham.
Mulher eterna, digo para mim.

E ficamos até tarde.
Reconheço que era tua afinal a presença
e que me resta pagar as despedidas.
Pedir mais um pouco de mim.
E envelhecer mais uma década.

Ficar sozinho.
Arrepender-me, enfim, de tudo.
Uma mesa redonda, numa recordação
próxima entre nós.

Qualquer coisa inacabada,
uma linguagem liquida
colorida durante a noite.


em Um Pouco de Morte, Lisboa: Edição do Autor, 2009, pp. 22-23.

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