Um poema de Pierre Reverdy


Coração a Coração

Enfim aqui estou de pé
Passei por ali
Alguém passa por lá agora
Como eu
Sem saber onde vai

Eu tremia
Ao fundo do quarto a parede era negra
Ele tremia também
Como pude eu transpor o limiar dessa porta

Poder-se-ia gritar
            Ninguém ouve
Poder-se-ia chorar
            Ninguém entende

Encontrei a tua sombra na obscuridade
Era mais doce do que tu

Antigamente
Estava triste a um canto
A morte trouxe-te essa tranquilidade
Mas tu falas ainda
Queria abandonar-te

Se entrasse ao menos um pouco de ar
Se o exterior nos deixasse ainda ver claro
Sufoca-se
O tecto pesa-me na cabeça e empurra-me
Onde vou eu meter-me para onde partir
Não tenho espaço que chegue para morrer
Onde vão os passo que se afastam e que escuto
Longe muito longe
Estamos sós a minha sombra e eu
A noite cai


em Trocar de Rosa, tradução de Eugénio de Andrade, Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 5ª edição, 1995, pp. 41-42.

Sem comentários: