Luso-contemporâneos: Pedro Rosa Mendes


Nos últimos dez anos a literatura portuguesa sofreu uma renovação considerável. Falar de uma nova-literatura portuguesa talvez seja exagerado. No entanto, a maior parte dos novos escritores nasceram nas décadas de sessenta e setenta, assim, quer do ponto de vista geracional, quer do ponto de vista do “tom” encontrado para se expressarem, a renovação é evidente. A mudança de paradigma literário também sofreu alteração. Se antes “reinava” a influência francófona, hoje a maior parte da nova geração de escritores portugueses é, de uma maneira mais directa ou indirecta, influenciada pela literatura norte-americana ou hispano-americana. Pedro Rosa Mendes (1968) é um desses escritores. Jornalista de profissão, Pedro Rosa Mendes foi firmando o seu nome no panorama literário português, sendo a publicação de cada um dos seus livros um acontecimento editorial. Em onze anos o autor publicou quatro livros de ficção. São eles Baía dos Tigres (1999) – Prémio de Ficção do Pen Clube Português e Prémio Fernão Mendes Pinto da Câmara Municipal de Cascais –, Atlântico (com o fotógrafo João Francisco Vilhena, 2003), Lenin Oil (com Alain Corbel, 2006) e Peregrinação de Enmanuel Jhesus (2010). Publicou ainda livros de reportagem, de onde se destacam Ilhas de Fogo (2001) e Madre Cacau – Timor (2004).

Se entendermos a literatura de viagens como literatura que se baseia numa viagem literal, incluindo, desta maneira, um olhar sobre a realidade, são poucas as obras portuguesas que cabem nesta definição, principalmente quando a literatura portuguesa de viagens radica na actividade dos descobrimentos marítimos e na necessidade de registar rotas. Aos 31 anos, Pedro Rosa Mendes propôs-se fazer, tal como Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens no século XIX, uma viagem de costa a contra-costa no continente africano, mais precisamente de Angola a Moçambique, num total de mais de 10000 quilómetros. Como repórter de guerra o autor viu e ouviu histórias, conviveu com homens e mulheres em lugares de acesso praticamente proibido, tudo por causa de uma guerra sem tréguas, correndo o risco – por certo bastante evidente – de poder desaparecer sem deixar rasto. Assim nasceu Baía dos Tigres, romance que revelou uma das vozes mais seguras da nova-literatura portuguesa.

Neste seu primeiro romance, Pedro Rosa Mendes empresta a sua voz a vários narradores, desenvolvendo um conceito que muitos autores da nova geração também desenvolveram: a polifonia. No entanto, não se trata de uma polifonia onde as vozes se misturam e muitas vezes se confundem, criando uma espécie de wall of sound (em alguns casos podemos falar em wall of noise). Em Pedro Rosa Mendes a polifonia é assumidamente polifónica e não “ruídofónica”, pois o autor consegue, numa simbiose cuidada, relacionar a vertente real com a ficção. Para isso o autor introduz na “ficção” entrevistas gravadas, relatos históricos (em que o autor cita as fontes), receitas para curar diversas maleitas, histórias anónimas de gente anónima, excertos de outros livros e a sua viagem (propriamente dita) – seguindo à risca a “receita” que Bruce Chatwin estabeleceu em Na Patagónia e O Canto Nómada. No entanto, Pedro Rosa Mendes nunca perde a noção de que está a escrever sobre Homens e Mulheres, pois a viagem é apenas a “desculpa” para o autor concretizar este seu objectivo. Pedro Rosa Mendes procura, em certa medida, demonstrar que o absurdo do mundo (esse que nos chega através ou dos jornais ou da televisão – e hoje cada vez mais através da internet) é apenas um motivo para quem está sentado, no conforto do seu lar, poder dizer que as coisas vão mal lá fora. Ao lermos Baía do Tigres ficamos a saber que o absurdo, como tudo na vida, é relativo. Ficamos a saber que absurdo, para alguns e em alguns lugares do mundo, é ver água a correr das torneiras.

Se alguém pensa que vai encontrar em Baía dos Tigres um certo exotismo inerente a outros relatos de viagens, desengane-se. Em Baía dos Tigres encontramos a vida, a morte, a arte de sobreviver de gente que pouco ou nada tem para viver, morrer ou sobreviver.

(texto publicado no suplemento literário Correio das Artes, Outubro 2010, Ano LXI, nº. 10, do jornal A União, João Pessoa, Brasil)

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