Hernán Rivera Letelier


«De repente, o comboio desacelera. Uma curva apertada aparece a menos de cem metros de distância. Entre bamboleios e chiar de rodas, o comboio começa a fazer a curva e Lorenzo Anabalón tem de se agarrar com as duas mãos para manter o equilíbrio. Agora, o Sol ficou directamente à sua esquerda. É um sol vermelho, grande, redondo. «Parece um disco de 33 rotações», diz, suspirando. E quando, pleno de felicidade, começou a assobiar uma cantiga mexicana, dessas da revolução, ouve a voz de um menino que grita fortemente:
«Está um homem a cagar no tejadilho!».
Lorenzo Anabalón volta a cabeça surpreendido: à sua direita, logo ao dobrar da curva, a sombra lenta do comboio começa a recortar-se no chão e, aí, sobre o tejadilho do vagão desenha-se perfeitamente a sua figura de cócoras na superfície da areia.»

em Os Comboios Vão Para o Purgatório, tradução de Luís Filipe Sarmento, Lisboa: Ulisseia, 2010, p. 39.

Sem comentários: