A vida segundo Adão
Adão adoeceu no primeiro inverno depois da saída do paraíso / e assustado com os sintomas, a tosse, a febre, a dor de cabeça, / começou a chorar como anos mais tarde choraria Maria Madalena, / e dirigindo-se a Eva, «não sei o que se passa comigo» gritou «tenho medo» / «meu amor, vem cá, penso que chegou a hora da minha morte».
Eva ficou surpreendida ao ouvir aquelas palavras, amor, medo, morte / e pensou que pertenciam a uma língua estranha, distante do paraísoedês, / e andou com elas na boca, a mastigá-las como milho, como raízes, / até que acreditou, amor, medo, morte, compreender completamente o seu sentido. / Mas nessa altura já Adão andava melhor, e voltava a sentir-se feliz, ou quase.
Este acontecimento extraparadisíaco, foi só o primeiro de vários, / de modo que Adão e Eva continuaram, por assim dizer, a receber aulas intensivas / da língua que dizia amor, medo, morte, aprendendo palavras como / cansaço, suor, gargalhada, cacarejar, velhice, canção, carícia, prisão; / e à medida que o vocabulário aumentava, aumentavam também as rugas na pele.
A hora da morte, a verdadeira, chegou a Adão era já ele muito velho, / e quis transmitir a Eva aquilo que tinha aprendido, a última verdade. / «Sabes, Eva», disse-lhe, «a perda do paraíso não foi na realidade uma desgraça». / «Apesar de todas as dificuldades, apesar do que aconteceu ao pobre Abel e todos os outros conflitos, / conhecemos aquilo a que, muito nobremente, podemos chamar de vida».
Sobre a sepultura de Adão foram derramadas longas lágrimas, de água e sal, / que caíram à terra e não deram origem a jacintos, nem a rosas, nem a nenhuma espécie de flores, / e de todos foi Caim aquele que, paradoxalmente, chorou com mais intensidade. / Mas logo Eva lembrou com saudade o susto que Adão apanhou com a sua primeira gripe, / e todos se acalmaram, e se foram, e beberam algo, e comeram bolo.
Bernardo Atxaga, «La vida según Adán» em Siete poetas vascos, Pamplona-Iruña: Pamiela, 2009, pp. 45-46. (versão de manuel a. domingos a partir da versão castelhana de Joxemiel Bidador)
Versões: Bernardo Atxaga
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