Qualquer coincidência é pura semelhança


Quando Ernesto Sampaio publicou no Diário de Lisboa, em 19 de Junho de 1987, o texto O Cidadão Liru (posteriormente coligido em Ideias Lebres, Fenda, 1999), talvez não imaginasse a actualidade que o mesmo iria ter passados 22 anos. Ernesto Sampaio considerava, em 1987, que vivíamos num «triste tempo, regido pelo vazio, sem qualquer projecto histórico mobilizador», onde o mundo se encontrava domesticado pela angústia, cepticismo e «narcotizado pela apatia». Estas reflexões demonstram, talvez, que Ernesto Sampaio não ficou indiferente à leitura de Gilles Lipovetsky, nomeadamente do livro A Era do Vazio, publicado em França em 1983. Contudo, o texto de Ernesto Sampaio concentra-se no exemplo português. Em 1987 estávamos longe de saber o que o futuro nos reservava, nomeadamente ao nível da rede, do fenómeno dos blogues e das redes sociais. Em 1987 os blogues e as redes sociais eram outros, mas a obsessão «pela «informação», pela histeria de «comunicar», de se exibir gratuitamente perante um público fantasmagórico, insubstancial, que contempla indiferente a gesticulação autista dos novos narcisos pouco sofisticados», era a mesma. Mas que retrato faz Ernesto Sampaio de Portugal em 1987? Nada abonatório: «o ensino é medíocre e não tem qualquer finalidade humanista, a cretinice é a norma dos programas de rádio e televisão, a imprensa pratica sistematicamente o electrochoque afectivo (…), o obscurantismo, sob todas as suas formas, está na ordem do dia, os conceitos mais vis e reaccionários beneficiam de uma publicidade espaventosa, os poderes montam os dispositivos sofisticados para privar os cidadãos de qualquer hipótese de reflexão e acção.» (o texto é de 1987, lembram-se?). É claro que, neste cenário, a apatia impera. Por que razão os cidadãos não reagem? Porque devido a todos estes mecanismos opressores o cidadão «nunca se interroga sobre o que deve fazer (tem, aliás, a sensação de que não pode fazer nada), limitando-se a pensar com inquietação no que lhe virá a acontecer.». E Ernesto Sampaio continua: «É uma cultura maluca: prega a iniciativa privada aos desempregados e promete torná-los a todos empresários.» Mas, onde é que eu já vi isto?