Poeta no Supermercado
1.
Indignar-me é o meu signo diário.
Abrir janelas. Caminhar sobre espadas.
Parar a meio de uma página,
erguer-me da cadeira, indignar-me
é o meu signo diário.
Há países em que se espera
que o homem deixe crescer as patas
da frente, e coma erva, e leve
uma canga minhota como os bois.
E há poetas que perdoam. Desliza
o mundo, sempre estão bem com ele.
Ou não se apercebem: tanta coisa
para olhar em tão pouco tempo,
a vida tão fugaz, e tanta morte...
Mas a comida esbarra contra os dentes,
digo-vos que um dia acabareis tremendo,
teimar, correr, suar, quebrar os vidros
(indignar-me) é o meu signo diário.
2.
Um homem tem que viver.
E tu vê lá não te fiques
- um homem tem que viver
com um pé na Primavera.
Tem que viver
cheio de luz. Saber
um dia com uma saudade burra
dizer adeus a tudo isto.
Um homem (um barco) até ao fim da noite
cantará coisas, irá nadando
por dentro da sua alegria.
Cheio de luz - como um sol.
beberá na boca da amada.
Fará um filho.
Versos.
Será assaltado pelo mundo.
caminhará no meio dos desastres,
no meio de mistérios e imprecisões.
Engolirá fogo.
Palavra, um homem tem que ser
prodigioso.
Porque é arriscado ser-se um homem.
É tão difícil, é
(com a precariedade de todos os nomes)
o começo apenas.
Fernando Assis Pacheco, Cuidar dos Vivos (1968), em A Musa Irregular, Lisboa: Assírio & Alvim, 2006, p. 25-26.
Convoco: Américo Rodrigues, António Godinho, João Camilo, Sérgio Lavos, Rita Faria.
1 comentário:
Convoco Américo Rodrigues...ah ah ah
és tão previsivel!
ah ah ah
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