Acordar tarde

Como em outras coisas na minha vida, acordei muito tarde para a literatura. E ainda mais tarde para a chamada grande literatura. Com grande refiro-me a nomes como Tolstoi, Dostoievski, Kafka, Joyce (embora ainda não tenha conseguido ler Ulisses), Faulkner, Hemingway, Nabokov, entre outros. No entanto, com Henry Miller comecei cedo. Lembro-me que tinha 16 anos. Estava na Figueira da Foz e era verão. Entrei numa papelaria-livraria com a minha mãe. Enquanto ela olhava para as revistas, procurando aquela que mais lhe conviesse, eu olhava para os livros amontoados. Entre eles estavam Sexus, Plexus, Nexus e Trópico de Capricórnio. Eu olhava com os olhos bem abertos para as capas, onde corpos nus se abraçavam. A minha mãe olhou para mim e decidiu que era altura de eu ler Henry Miller. Nunca entendi a razão, pois ela nunca o tinha lido, apenas sabia que era um pouco pornográfico. Comprou-me Plexus, Nexus e Trópico de Capricórnio. O livro Sexus ficou de fora. Li os três livros durante os quinze dias de praia desse ano. E isto tudo para quê. Para apenas dizer que, mais uma vez, acordei tarde para a grande literatura. Comecei ontem a ler Fernanda Botelho: Xerazade e os Outros*. Só que desta vez não foi a minha mãe que o comprou. Fui eu. O que me levou a fazê-lo? A morte da autora. Não conhecia Fernanda Botelho até à notícia da sua morte. Mea Culpa. Mas posso dizer que agora conheço. E que estou a gostar.


* Fernanda Botelho, Xerazade e os Outros, Lisboa: Contexto, 3ª edição, 1989, 238 pp.

Nota: texto escrito depois duma conversa com um amigo no passado domingo.

2 comentários:

sara disse...

A tua mãe havia de ter achado, como boa mãe e mulher que de certo é, que recomendável seria Passarinhos de Anaïs Nin...
;)

Anónimo disse...

"(...) na minha vida, acordei muito tarde para a literatura (...)".

Olha, bem podias ter continuado a dormir.