Nada sei de Charles Bukowski...
por Jorge Vaz Nande
Nada sei de Charles Bukowski. Impressionou-me, ao ler um romance dele, como o que me contava (infinitas combinações e variações sobre o trinómio leituras-bebedeiras-foda) era tão repetitivo e, simultaneamente, tão fascinante. Mas havia algo mais por dizer. Bukowski não se esgotava, havia uma inquietude atrás de tudo o resto. Li a dada altura, a propósito disto, que ele foi a sua personagem, uma mentira, alguém que inventou e representou o papel de si próprio com consciência no seio de uma cultura pop em que o escritor é figura de entretenimento como outra qualquer. Mas não há no que ele escreve nada de sensualista ou de prazeroso - o hedonismo de Bukowski esmaga qualquer ligeiro indício de prazer. Mesmo que fosse fachada tudo ou algo menos do que tudo, não se pode simplesmente expulsar da memória quem com tão grande desplante espremeu o desconforto, o incómodo de ser pessoa contra a cara de quem o lia. Isso é importante para mim, a noção de que a criação do texto implica uma destruição (do narrador, do autor, da personagem, do próprio texto). O corpo de Henri Chinaski, homem, dói sozinho. É uma afirmação importante, um existencialismo bastardo, sem escola e reverências. Mas Bukowski é também, acima de tudo, uma solidão (este é mesmo um exemplo mais caricato) que pensava sobre a escrita. Por isso é que não gosto de simplificar demasiado. O trinómio não o era por si, mostra que Bukowski era um pensamento obcecado com o facto de ter um corpo. E uma dor, e uma verdade. Dito isto, nada sei de Charles Bukowski.
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