Bukowski
por André Moura e Cunha
Henry Charles Bukowski (1920-1994), ou Henry Chinaski? Confundo-os e não foram feitos para confundir. São uma só entidade. Hank é o assombroso produto de criação de um poeta indigente e o ideador do seu eu, que sem rodeios e adornos literários denuncia a indigência intelectual da sociedade americana que lhe foi contemporânea. Henry Chinaski não é um pseudónimo de Charles Bukowski, é o seu alter-ego, é, em suma, o receptor no papel das suas atribulações autobiográficas: vagabundo, alcoólico, boémio, profundamente misantropo e fodilhão inveterado. Conheci-o em A Sul de Nenhum Norte (ed. Relógio D’Água, 1997; South of no North, 1973), continuei com Mulheres (ed. Dom Quixote, 2001; Women, 1978), e vou prosseguindo com a poesia, especialmente as versões de manuel a. domingos. Bukowski é um homem em fuga ao arquetípico, um selvagem que não renega a sua natureza, ao invés ajavarda-a sem mágoa, e sem ponta de orgulho. É um refractário na sua acepção mais pura e sublime, que o diga Sartre, o sobranceiro existencialista. Em 1964, Sartre recusou o Nobel da Literatura alegando a institucionalização dos seus escritos como principal motivo e que as grilhetas intelectuais jamais o deixariam produzir em liberdade. Todavia, há quem tenha interpretado este acto de recusa como uma eminente exacerbação da sua vaidade pseudoproletária, corolário do seu ego inflado. Sartre era um revolucionário pelas palavras e actos, um agitador social com estranhas amizades. Um dia afirmou que Bukowski era o maior poeta americano vivo. Este, no entanto, recusou-se a participar num proposto rendez-vous com o inefável pensador francês, mandando dizer que tinha de cuidar de uma garrafa. Este é o lado encantador de Bukowski, o eterno irreverente e destruidor de convenções e de ufanos intelectualismos. Acima de tudo, por mais paradoxal que possa parecer, era um purista, um autor que se movia apenas pela criação artística. É classe. Um fabuloso exemplo: Em A sul de nenhum norte, Chinaski desafia Hemingway para um combate:
«Levantei-me e subi lentamente a coxia. Ergui o braço e toquei ao de leve no flanco de Hemingway.
– Sr. Hemingway…?
– Sou, o que é?
– Gostava de trocar uns socos consigo.
– Tens alguma experiência de boxe?
– Não.
– Vai ver se aprendes alguma coisa primeiro.
– Eu estou aqui para o correr aos pontapés.
[…]» (pp. 107-108)
Chinaski acaba por derrotar o velho Ernie – carinhoso petit nom usado por Chinaski quando se dirige a Ernest Hemingway – por KO e enquanto este último se mantém inconsciente é convidado por um crítico do The New York Times para publicar os seus contos. Ernie parece querer despertar do doloroso entorpecimento induzido:
«Vesti-me e, nessa altura, Ernie recuperou os sentidos.
– Que raio se passou? – perguntou ele.
– Sr. Hemingway, encontrou um homem bastante bom pela frente – disse um tipo.
Acabei de vestir-me [Chinaski] e dirigi-me à mesa onde ele [Ernie] estava deitado.
– Você é bom, Pai Hemingway. Não se pode vencer sempre – disse eu, apertando-lhe a
mão. Não estoure com os miolos.» (pág. 111)
O conto chama-se “Classe”...
Henry Charles Bukowski (1920-1994), ou Henry Chinaski? Confundo-os e não foram feitos para confundir. São uma só entidade. Hank é o assombroso produto de criação de um poeta indigente e o ideador do seu eu, que sem rodeios e adornos literários denuncia a indigência intelectual da sociedade americana que lhe foi contemporânea. Henry Chinaski não é um pseudónimo de Charles Bukowski, é o seu alter-ego, é, em suma, o receptor no papel das suas atribulações autobiográficas: vagabundo, alcoólico, boémio, profundamente misantropo e fodilhão inveterado. Conheci-o em A Sul de Nenhum Norte (ed. Relógio D’Água, 1997; South of no North, 1973), continuei com Mulheres (ed. Dom Quixote, 2001; Women, 1978), e vou prosseguindo com a poesia, especialmente as versões de manuel a. domingos. Bukowski é um homem em fuga ao arquetípico, um selvagem que não renega a sua natureza, ao invés ajavarda-a sem mágoa, e sem ponta de orgulho. É um refractário na sua acepção mais pura e sublime, que o diga Sartre, o sobranceiro existencialista. Em 1964, Sartre recusou o Nobel da Literatura alegando a institucionalização dos seus escritos como principal motivo e que as grilhetas intelectuais jamais o deixariam produzir em liberdade. Todavia, há quem tenha interpretado este acto de recusa como uma eminente exacerbação da sua vaidade pseudoproletária, corolário do seu ego inflado. Sartre era um revolucionário pelas palavras e actos, um agitador social com estranhas amizades. Um dia afirmou que Bukowski era o maior poeta americano vivo. Este, no entanto, recusou-se a participar num proposto rendez-vous com o inefável pensador francês, mandando dizer que tinha de cuidar de uma garrafa. Este é o lado encantador de Bukowski, o eterno irreverente e destruidor de convenções e de ufanos intelectualismos. Acima de tudo, por mais paradoxal que possa parecer, era um purista, um autor que se movia apenas pela criação artística. É classe. Um fabuloso exemplo: Em A sul de nenhum norte, Chinaski desafia Hemingway para um combate:
«Levantei-me e subi lentamente a coxia. Ergui o braço e toquei ao de leve no flanco de Hemingway.
– Sr. Hemingway…?
– Sou, o que é?
– Gostava de trocar uns socos consigo.
– Tens alguma experiência de boxe?
– Não.
– Vai ver se aprendes alguma coisa primeiro.
– Eu estou aqui para o correr aos pontapés.
[…]» (pp. 107-108)
Chinaski acaba por derrotar o velho Ernie – carinhoso petit nom usado por Chinaski quando se dirige a Ernest Hemingway – por KO e enquanto este último se mantém inconsciente é convidado por um crítico do The New York Times para publicar os seus contos. Ernie parece querer despertar do doloroso entorpecimento induzido:
«Vesti-me e, nessa altura, Ernie recuperou os sentidos.
– Que raio se passou? – perguntou ele.
– Sr. Hemingway, encontrou um homem bastante bom pela frente – disse um tipo.
Acabei de vestir-me [Chinaski] e dirigi-me à mesa onde ele [Ernie] estava deitado.
– Você é bom, Pai Hemingway. Não se pode vencer sempre – disse eu, apertando-lhe a
mão. Não estoure com os miolos.» (pág. 111)
O conto chama-se “Classe”...
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