Quarto Escuro #10


Ouves a noite lá fora. Os sons são indefinidos, mas ela ali está: imóvel, aguardando. Pouco sabes da noite, apenas que ela traz no ventre a vertigem de um pulso rasgado pelo assombro. Combates a noite da única maneira que sabes: escreves, registando o medo, como se o pudesses aprisionar e finalmente viver livre. Já não faz tanto calor agora. Antes era pior. Com o calor a noite ganha uma outra forma, uma outra capacidade de tudo transformar. Com o calor, a noite deixa de ser noite e passa a ser outra coisa qualquer: um cão que ladra até ficar rouco. Nesses dias pouco ou nada consegues fazer para a combater. Escrever de nada serve, pois as palavras só amplificam o calor. A única solução é acender um archote e apontá-lo à noite, dar-lhe um pouco de luz. De archote aceso esperas a manhã. De nada serve. Hoje a noite decidiu apanhar-te.

2 comentários:

jorge vicente disse...

ela já me apanhou nas tuas palavras, num silêncio subtil como sempre a noite faz

e é através dela que se ganham as palavras e se escrevem versos

obrigado pela partilha

um abraço
jorge vicente

manuel a. domingos disse...

obrigado pelas palavras, jorge.
volte sempre