Tinha voltado à terra. A terra que o tinha visto nascer. Crescer. Depois partir. Não era o único que tinha partido. Era dos poucos que tinha voltado. Tinha que voltar. Cinquenta anos numa cidade tinham tornado o seu corpo velho e pesado. Mas: não era essa a única razão. Também tinha necessidade de sentir novamente o aroma da terra. O fumo das chaminés. O canto dos pássaros. O murmúrio da serra. Tinha que sentir tudo isso outra vez. Aprender tudo isso. Outra vez. Esperava reencontrar rostos conhecidos. E reencontrou-os. Velhos. Cansados como ele. A juventude era uma coisa do passado. De um tempo distante. E a aldeia: continuava a mesma. O forno cozia o pão (aquele que ele comia quente nas manhãs frias de inverno com o café preto que a mãe lhe fazia). O lagar fazia o generoso azeite (e viu-se de novo a molhar o pão no azeite). O alambique produzia a aguardente (e quantas vezes ele entrou pela calada da noite mais o António para beberem uma pinga e depois fugiam para detrás do moinho onde se riam sozinhos). O moinho transformava o grão de trigo em farinha (o Ti João é que há muito tinha deixado este mundo). O largo da igreja continuava como antigamente. O velho coreto permanecia ao centro (a banda tocava e ele dançava e foi num baile que conheceu a Isabel e com ela casou e com ela partiu para a cidade que depois a matou). E deu consigo a chorar. Chorava pelo tempo perdido e agora reencontrado. Caminhou de encontro ao ribeiro (aquele onde tinha brincado tantas vezes com os seus amigos de infância). A velha cerejeira ainda lá se encontrava. Só que agora já não tinha a força para trepar pelos seus ramos e colher uma daquelas negras cerejas e saboreá-la como antes o fazia. Deitou-se à sua sombra. Viu como o sol era filtrado pelos seus ramos. Pelas verdes folhas. Contemplou mais uma vez o silêncio que era estar ali deitado. Inspirou mais uma vez aquele ar tão puro. Tão jovem. Expirou. Sentiu-se criança novamente. Com aquela força que só elas têm. Com aquela liberdade que só elas possuem. Fechou os olhos. E adormeceu num sono profundo. De criança.
2002
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