Publicado em 1997, Voo no Vazio é uma colagem de textos de carácter intimista, em forma de diário fragmentado, sem qualquer preocupação de ser estabelecido um fio condutor que lhe tente dar uma homogeneidade na forma e na mensagem, onde existem reflexões fortes sobre esses eternos temas: Vida, Morte, Tempo, Homem, Deus. Em Voo no Vazio podemos encontrar essa meditação interrogante e existencial, criadora da angústia e do vazio, tornando-se em marcas de um quase sem sentido da vida, através de uma escrita pungente e, por vezes, poética. Destaque para o desembrulhar de muitas lembranças, imagens e intimismos no cenário repetidamente invocado da Serra, onde o autor regressa, como quem regressa ao útero materno. Voo no Vazio encontra-se impregnado das águas das nascentes da Serra, das cores desse Vale do Zêzere, dos cheiros da terra quando chove, das emoções fortes dos primeiros amores e das despedidas. A escrita de José Duarte Saraiva é herdeira de uma certa família existencialista onde podemos encontrar nomes como o de Albert Camus, Milan Kundera e Vergílio Ferreira. O próprio título é disso revelador: o vazio é o ponto de partida para uma série de reflexões e meditações, que tem como principal função interrogar, pois o autor traz em si a força de interrogar, mais do que a força da pergunta. Mas o que leva o autor a interrogar-se? Existe em si uma sedução pela «ilusão do voo no escuro da memória, o vazio inútil que de mim sobrou» (p. 7). É esse voo no escuro da memória que leva muitas vezes o autor a sentir o peso do tempo, sabendo que este não poderá nunca voltar atrás. O tempo torna-se, assim, num sinal da nossa (sua) finitude, daquilo que se é mas que não se quer ser. É esta, também, uma das questões que José Duarte Saraiva levanta: como dominar o tempo? Talvez com a ajuda da Serra, essa figura mística e materna. Apesar desta tentativa em dominar o tempo, o autor tem consciência que essa vivência de eternidade acontece sempre num fundo de finitude, que é o local onde tudo realmente acontece, onde o homem que foi sendo se pensou e tentou cumprir-se. É devido a essa entrega ao domínio do tempo, que o próprio tempo passa rápido de mais e sem qualquer hipótese de retorno, a não ser através da memória: «Jazo à sombra tépida do jardim das tílias onde chilreiam pássaros. Relembro a tua pele morena em corpo pequeno, a concha suada da mãos, o olhar agitado, com medo de que o teu pai nos visse. O perfume do jardim das tílias, o vulto plúmbeo da Estrela ao longe, o açúcar liquefeito dos teus lábios no primeiro beijo. Nunca mais!» (p. 8). O tempo é, assim, o principal responsável pela angústia existente em José Duarte Saraiva. Ele sabe que não lhe pode escapar. No entanto, não nasce no autor um sentimento de revolta. Pelo contrário, o autor, em certa medida, acomoda-se ao seu destino. A consciência que José Duarte Saraiva tem da força que a máquina do tempo exerce sobre si, enquanto homem e ser finito, é avassaladora. O autor sabe que não pode escapar. É desta tensão existente, entre a consciência do tempo e a impossibilidade de o combater, que a angústia de José Duarte Saraiva se faz sentir. Nada mais resta ao autor senão o vazio, pois só o vazio nos pertence: «Vazio foi o espaço do voo realizado, vazio será o horizonte do que falta voar. Viver – fôlego efémero do bater de asas, só.» (p. 67).
José Duarte Saraiva, Voo no Vazio, Lisboa: Europress, 1ª edição, 1997, 80 pp.
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