Calendário (41)

Ao regressar a Marx encontro sempre algo de actual, o que prova, talvez, que a maior parte dos escritos marxistas (entenda-se, neste caso, Marx) estão datados, apenas, na data que trazem consigo e não nas ideias, ou reflexões. Um dos grandes erros, cometido pela maior parte de nós, é ler Marx sem fazer as devidas actualizações, isto é, caindo no erro da "cristalização de princípios e conceitos" (1), o que de certa maneira impossibilita a interpretação da realidade, porque ignora, assim, os novos conhecimentos e experiências. Um bom exemplo da actualidade de Marx, na minha opinião, é este excerto que agora vos apresento e que poderá explicar muito daquilo que, neste momento, se passa na Europa e no Mundo. Diz Karl Marx:
Louis Bonaparte tomou aos capitalistas o seu poder político, sob o pretexto de os proteger, a eles burgueses, contra os operários e, por sua vez, os operários contra aqueles, mas, a sua dominação favoreceu a especulação e a actividade industrial, numa palavra, o ascenso e o enriquecimento do conjunto da burguesia numa medida inaudita até aí. Todavia, em maior medida ainda, desenvolveram-se a corrupção e o roubo em massa, os quais se reuniram à volta da corte imperial e sacaram deste enriquecimento as suas fortes percentagens.
Mas o segundo Império era o apelo ao chauvinismo francês, era a reivindicação das fronteiras do primeiro Império perdidas em 1814, no mínimo as da primeira República. Um império francês nas fronteiras da velha monarquia, até mesmo nas de 1815, mais reduzidas ainda, isso era impossível por muito tempo. Daí a necessidade de guerras e de alargamentos territoriais periódicos. (2)
Acredito que regressar a Marx, lê-lo e procurar entender aquilo que nos diz, à luz da nossa actualidade e experiência, é fundamental para um melhor entendimento do charco onde o "realismo capitalista" (Mark Fisher) deseja que nós chafurdemos. Ignorar Marx, nos dias de hoje, é ignorar a sua actualidade e importância, já que o marxismo é a "crítica teoricamente mais elaborada e politicamente mais intransigente desse sistema [capitalismo]" (3). E é devido a isso mesmo que o neoliberalismo procura induzir, na opinião generalizada, que o marxismo faliu e perdeu validade, tendo nós todos assistido ao seu passamento e derrocada, quando na realidade o marxismo está mais actual do que nunca, tendo em conta o contexto internacional e nacional.
____________________________ (1) Álvaro Cunhal, O Partido com Paredes de Vidro, Edições Avante!, 1985, p. 22. (2) Karl Marx, A Guerra Civil em França, tradução de Eduardo Chitas, Edições Avante!, 2018, p. 14. (3) Terry Eagleton, Porque é que Marx tinha razão, tradução de Jaime Araújo, Edições 70, 2021, p. 16.

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