Um poema de Edmond Jabès


Para ti, falo


Para ti, falo. O eco. Os aviões dos jogos de pé-coxinho transmitidos. A boa nova brilha, hoje. Para ti, anuncio o dom do desejo, o mar sem trajecto, a boca.

Para ti, a indisciplina dos cumes de cabeça de égua, o relinchar da neve, além, inaudito.

Para ti, amor exasperado, as verdades primeiras, o prazo dado às pedras empoleiradas.

Para ti, só para ti, o luto dos círios, o hino ao rochedo, a carta inviolada do sinal.

*

Ferida na tua candura. A escama, Os liames selvagens do ar e da água. Uma vez salva, mais bela, seios descobertos, as coxas, companheiras da onda.
E o entrave do amor à fuga fácil.

*

O número. O escrínio. O jogo das insígnias cobiçadas. O alfabeto, aftas grosseiras. Rebentam os lábios com a frase.

Aqui, desdobro. Páginas, país impaciente. Aqui, povôo, aqui replanto, aqui construo. Sacia a tinta o solo, rio e chuva.
Aqui, tu reinas.

*

A ti, dedico. A areia. O fruto do diálogo, alga crestada.

E o sal nos escombros, praia reduzida.

*

Imóvel. Réplica da lâmpada.

Nítido amanhã para espanto das mãos.


em A obscura palavra do deserto — uma antologia, selecção e tradução de Pedro Tamen, Lisboa: Cotovia, 1991, pp. 17-19.

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