Resgate (Averno, Janeiro de 2017) é, até pelo título, um acto de resistência.
O que aqui se resgata é uma forma de escrever sobre livros. Nos textos
seleccionados, todos eles provenientes do Expresso, entre 1987 e 2000, quando
aí Fátima Maldonado exerceu crítica literária, vislumbramos um tempo que nos é
hoje estranho. Sem entrar nos pormenores de estilo devidamente identificados
por Manuel de Freitas no prefácio, a estranheza ao ler estes textos,
maioritariamente dedicados a obras escritas por mulheres, advém da constatação
de várias impossibilidades. Uma delas é a da ampla informação biográfica quando
os textos se dedicam a analisar obras de autores com biografia, isto é, autores
com passado que mereça ser revelado e relacionado com a obra produzida. Outra
impossibilidade à luz dos dias correntes é a da conexão de um texto com o tempo
em que foi escrito, apontando leituras desse tempo, mais ou menos testemunhais,
cada vez mais vagas «nesta casa do mundo onde à degradação se chama agora
divertimento» (p. 113). É sem dúvida um desafio ingrato procurar uma visão do
mundo na generalidade dos escritores que preenchem a actualidade, tão arredados
que andam desse mesmo mundo dando à luz obras com uma periodicidade matemática.
Talvez o cenário seja passageiro, talvez tenha vindo para ficar. Certo é que
não está só cada vez mais difícil escrever sobre os outros, está igualmente
cada vez mais difícil ler alguém que escreva inteligentemente sobre os outros.
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