Um poema de Emanuel Jorge Botelho


vou dormir meu amor, o primeiro gesto vai
para o apagar do candeeiro, andamos presos
a coisas simples como vês; a mão a ir-se

gastando longe

da pele de leopardo, a boca a dar-se à luxúria da saliva
e o último olhar para o abismo
entre o colchão e a carpete, depois o medo,
o cuidado com que assinalamos a última página

do livro

esta função bizarra dada aos dedos como se amanhã o sangue fosse
uma clave branca convertida ao silêncio — meu amor — há até quem ore,
quem ponha na mão um dardo
para o exorcismo da luz. e depois este corpo sobre a mesa
de cabeceira — a água sempre
uma promessa de despertar agarrada aos lábios; o gesto
que o fogo guarda. coisas simples como vês, nada sobre

o anoitecer da pedra


em Cesuras, Lisboa: Gota de Água | Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1982, p. 21.

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