Nota de leitura (8)


É só para dizer

Que comi
as ameixas
que estavam
no frigorífico

e que tu
provavelmente
guardavas
para o pequeno-almoço

Perdoa-me
estavam deliciosas
tão doces
e tão frescas


William Carlos Williams
Selected Poems
New Directions, 1985.
(versão minha)


Talvez seja um dos mais conhecidos poemas de William Carlos Williams. "Nele não há nada de poético", dirão as almas mais ofuscadas pela luz do sublime. No entanto, tudo nele é poesia: desde a situação à musicalidade (que poderá estar perdida, admito, nesta versão apresentada). E há, ainda, a concisão das palavras.
     Carlos Williams percorreu um caminho longe dos labirintos metafóricos. Procura antes a economia das palavras, mas também o seu rigor, utilizando as palavras exactas e não as mais próximas daquilo que se quer dizer (a utilização da palavra-bibelot está fora de questão), a leveza e a proximidade ao dia-a-dia. Uma poesia imagista, acima de tudo. E na sua verdadeira essência.

2 comentários:

Anónimo disse...

"Bati a porta com a doçura
que nem sempre te dispensei,
e sai de mansinho
com o sol do meu crime
ainda a brilhar nos dentes.

Espero que me perdoes
ter comido os dióspiros
que guardavas para a tua manhã,
a ínfima parte da felicidade
que sempre te deverei."

Bernard Noël

(versão minha)

Anónimo disse...

A semelhança entre os dois poemas é vergeliana (não confundas, pf, com "virgiliana") e prende-se com a fruta da época e com a forma como ela é acondicionada.
A diferença entre os dois poemas é que o poema, erradamente atribuído a Bernard Noel (fui verificar e a sua poesia não compreende de facto tentativas de minimização de efeitos colaterais domésticos através de arroubos hortícolas), apesar de profundamente cabotino e piegas, tenta ainda uma espécie qualquer de ontologia, enquanto que o poema de W. Carlos Williams é um "post-it" de frigorífico.
E isto nada tem a ver com a questão do "sublime" (por oposição ao (in)sublime, presumo), nem com essas balelas que o meu amigo toma por parâmetros não sei bem de quê, nessa sua cruzada tão particular.
Talvez, como em tantos outros assuntos, o sr. se devesse informar um pouco melhor sobre o que fala antes de debitar alarvidades ("imagistas" ou não, rótulo que calculo que saiba que o próprio poeta sempre repudiou, confiante de passar a heterodoxos do calibre do manuel a. domingos a bandeira da rejeição dessas taxionomias).