Duas pequenas notas e não volto mais a estes assuntos (16)


1. Christopher Hitchens publicou, em Outubro de 2003, o texto Mommie Dearest, sobre a beatificação daquela que hoje é conhecida como Santa Madre Teresa de Calcutá. É um texto forte, pungente e sem papas na língua. Em determinado ponto o autor remete-nos para um texto, de Orwell, onde Gandhi é desancado: «Saints should always be judged guilty until they are proved innocent, but the tests that have to be applied to them are not, of course, the same in all cases. In Gandhi’s case the questions one feels inclined to ask are: to what extend was Gandhi moved by vanity – by the consciouness of himself as a humble, naked old man, sitting on a praying-mat and shaking empires by sheer spirutual power – and to what extend did he compromise his own principles by entering into politics, which of their nature are inseparable from coercion and fraud?». («Reflections on Gandhi», Shooting an Elephant and Other Essays, 2009, p. 347). Gosto de Gandhi. No entanto, não posso deixar de me questionar, ao ler as palavras de Orwell. Em relação a Santa Madre Teresa de Calcutá, a situação, quanto a mim, é completamente diferente, porque se encontra no campo oposto ao de Gandhi, pois este nunca foi canonizado, tendo em conta que nunca pertenceu à Igreja Católica (se tivesses pertencido não tenho dúvidas de que já seria Santo há muito). No entanto, se tudo aquilo que Hitchens escreveu é verdade, nomeadamente: «she was a friend to the worst of the rich, taking misappropriated money from the atrocious Duvalier family in Haiti (whose rule she praised in return) and from Charles Keating of the Lincoln Savings and Loan. Where did that money, and all the other donations, go?»: temos, sem dúvida alguma, que nos questionar.


2. Todavia, temos que pensar que a Igreja Católica e seus seguidores sempre foram um alvo fácil, principalmente para um intelectual como Hitchens. Não nos podemos esquecer que a Igreja Católica é composta por homens e mulheres, com todas as virtudes e defeitos. As fragilidades são mais do que muitas. O problema é que a maior parte das vezes queremos uma Igreja Católica à nossa imagem e semelhança, principalmente quando a ela não pertencemos, ou dela nos afastámos. A verdade é que queremos uma Igreja Católica que defenda o aborto, a contracepção, a eutanásia, o casamento entre pessoas do mesmo género, todas essas coisas que defendemos (eu, pelo menos, defendo). Mas também foi Orwell que um dia escreveu: «Uma das analogias entre comunismo e catolicismo é que só os indivíduos com estudos são completamente ortodoxos» (O caminho para Wigan Pier, 2003, p. 217). Sirvo-me desta frase de Orwell apenas para ilustrar a questão da ortodoxia. Pois é disso que se trata: tanto do lado da Igreja Católica, ao canonizar Santa Madre Teresa de Calcutá, como do lado de Hitchens, ao demonizar a mesma Santa. Neste género de questões, discussões, a heterodoxia não é bem-vinda, pois não é no seu campo que a bola é jogada. Ser heterodoxo, nestas questões, é estar sempre fora de jogo.

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