(...)


Levantei-me cedo. Tratei de mim e do gato. Vesti-me e fui comprar peixe. Só havia carapau grande — hoje o pessoal madrugou? — nã! à quarta não peço muito peixe... o pessoal compra mais à quinta — lá paguei. Voltei a casa para o deixar. Malick: o gato espera-me à janela. Mia mal me vê. Deixei o peixe em cima da mesa da cozinha. No caminho de regresso à vila o silêncio do meu caminhar é a única coisa que se ouve. Os emigrantes começam a partir e a vila retoma a sua normalidade. Ainda ontem, enquanto corria, vi vários a prepararem o carro para a viagem. É assim: logo depois das festas em honra do Divino Senhor do Calvário. Muitos deles esperam pelo fim das festas e só depois regressam ao 75, ou ao 35, 65, 23. E a vila, aos poucos, começa outra vez a ficar vazia. Antes, quando era mais novo, os emigrantes chegavam com bazófia suficiente para deles ficarmos fartos. Vinham e andavam pelas ruas a dizer coisas como "lá na França não é assim, hã!" ou então " fiz Paris-aqui na autorrute sempre a rolar, hã, dois depósitos, hã". Vinham com os seus carros grandes para as suas vivendas. Depois, chegou o cavaquismo e o guterrismo e também alguns de nós passamos a ter carros grandes e vivendas. A bazófia deles diminuiu e alguns deixaram mesmo de vir. Os seus fatos de domingo começaram a ficar démodé ("oh la France, la mode, la elegance"). Alguns deixaram a França e regressaram. Continuavam a dizer "lá na França não é assim, hã", mas agora devido a outras razões: "os auserianos e os marroquãnes estão a tomar conta dos cartieres, hã". Só que os "bons anos" não duraram muito. Chegou Durão Barroso, Sócrates e Passos Coelho. O primeiro foi o primeiro a emigrar. O segundo foi o segundo a emigrar. O terceiro convidou muitos a emigrar. E muitos dos que tinham regressado seguiram o conselho do Senhor Primeiro-Ministro. Voltaram ao "cartiére". E passaram, novamente, a fazer as malas depois das festas em honra do Divino Senhor do Calvário.

Sem comentários: