A primeira
perda que sofreram essas pessoas privadas de direitos não foi a da protecção
legal, mas a perda dos seus lares, o que significa a perda de toda a textura
social na qual haviam nascido e na qual haviam criado para si um lugar peculiar
no mundo. Esta calamidade tem precedentes, pois na história são frequentes as
migrações forçadas, por motivos políticos ou económicos, de indivíduos ou de
povos inteiros. O que era sem precedentes não era a perda do lar, mas a
impossibilidade de encontrar um novo lar. De súbito revelou-se não existir
lugar nenhum na Terra aonde os emigrantes pudessem dirigir-se sem as mais
severas restrições, nenhum país ao qual pudessem ser assimilados, nenhum
território em que pudessem fundar uma nova comunidade própria. Além do mais,
isto quase nada tinha a ver com qualquer problema material de superpopulação,
pois não era um problema de espaço ou de demografia. Era um problema de
organização política. Ninguém se apercebia de que a Humanidade, concebida
durante tanto tempo à imagem de uma família de nações, havia alcançado o
estágio em que a pessoa expulsa de uma dessas comunidade rigidamente
organizadas e fechadas se via expulsa de toda a família das nações.
em As Origens do Totalitarismo,
tradução de Roberto Raposo, Lisboa: Dom Quixote, 5ª edição, 2014, p. 389.
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