Um poema de Francisco de Quevedo


Significa-se a própria brevidade da vida
sem pensar e com padecer, assaltada pela morte


Foi sonho ontem; será amanhã terra;
pouco antes, nada; pouco depois, fumo;
e destino ambições, até presumo
mal um momento o cerco me encerra.
Breve combate de importuna guerra,
pra defender-me, sou perigo sumo;
quando com minhas armas me consumo,
menos me hospeda o corpo, que me enterra.
Já não é ontem; amanhã é esp’rado;
hoje passa, e é, e foi, com movimento
que me conduz à morte despenhado.
Enxadas são a hora e o momento;
pagas por minha pena e meu cuidado,
cavam em meu viver meu monumento.


em Antologia da Poesia Espanhola do Siglo de Oro, segundo volume – Barroco, selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento, Lisboa: Assírio & Alvim,1996, pp. 269-270.