(...)


Certas coisas deixam-me bastante pensativo. Entre elas estão as pessoas que tiveram um qualquer acidente vascular e andam na rua, passo a passo, muito devagar. Demoram imenso tempo a ir de um lado para o outro. Mas vão. Penso: “se fosse comigo?”, “se fosse eu?”. E por muito que pense, ou imagine o meu corpo naquele estado, nunca encontro um resposta satisfatória na minha cabeça; nunca uma solução, saída. Fico em loop, circuito-fechado. Ainda há pouco passou por mim uma senhora. Não sei dizer quanto tempo demorou a atravessar o jardim. Depois: foi o sentar. Demasiado tempo para o fazer. Tentativas e tentativas. E, por fim, lá conseguiu. Não desistiu. E é aí que se foca, de seguida, a minha questão, interrogação: o desistir. Todos os dias desisto um pouco. Desisto de entender as pessoas, o mundo. Todos os dias desisto de entender tudo aquilo que me rodeia. Todos os dias me apetece dizer e escrevê-lo num muro qualquer: declaro que desisto: e assinar por baixo. No entanto, todos os dias persisto. E chega a parte da coragem. Cobardia. E olho as árvores, a luz por elas filtrada. E sinto o calor do sol. O sabor deste vinho branco. O seu álcool a percorrer-me. E leio poesia. E tudo parece fazer algum sentido. E, de repente, tudo o resto. As pessoas, o cheiro a morte por todos os lados. Ainda hoje, na fila no supermercado, uma discussão. E parece que o dia se resume a isso. E a discussão não foi comigo. Mas parece que o dia, a partir daquele momento, se resume àquelas duas senhoras, àquela discussão sobre nada (resumo: alguém pede para passar à frente na fila, pois só tem um item para pagar [almoço] e está atrasada para o trabalho e ainda tem de almoçar; todos concordam menos um senhora que se debate e apresenta argumentos e tudo o resto; e está o burro nas couves). E parece que o dia se resume a este episódio. E a vida. A vida como uma discussão permanente sobre coisa nenhuma. Penso: “mas o que é esta merda?”. E esta merda, afinal, é a vida.


06-07-2015
Jardim Teófilo Braga

1 comentário:

bea disse...

Pronto. É assim a humana condição.