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E eis que surge uma pergunta (ou será questão?): Húmus ou Livro do Desassossego? Raul Brandão escreveu, simplesmente, um livro absolutamente espantoso, que tem a capacidade de ser grande em qualquer língua. E publicou-o num Portugal de 1917. Mas tanto faz: 1917 ou 1947 ou 1977. Húmus é uma obra-prima da literatura portuguesa do século XX (e, talvez, de toda a literatura portuguesa). No século XX não temos assim tantas quanto isso. Para além do Livro do Desassossego (que é, sem qualquer dúvida, um grande livro), destaco as seguintes: Os Passos em Volta (Herberto Helder), Alegria Breve (Vergílio Ferreira), Finisterra (Carlos de Oliveira), A Noite e o Riso (Nuno Bragança), Caranguejo (Rúben A.). O que seria de Vergílio Ferreira, em Alegria Breve, sem a leitura do livro de Raul Brandão? Dizer que há uma influência é dizer pouco: há o tom, o ritmo, os temas. A bem da verdade, quase toda a obra vergiliana é atravessada pela voz de Raul Brandão. Vergílio Ferreira também nunca o escondeu. Húmus é, talvez (apesar de me apetecer dizer: sem dúvida), uma das obras literárias mais influentes de toda a literatura portuguesa do século XX e XXI. Está, quanto a mim, remetida ao silêncio. Esquecimento. Fernando Pessoa é o gigante deste pequeno país (e talvez por ser pequeno o país, Pessoa seja tão grande), que tudo abafa, que tudo consome. Volto a perguntar: Húmus ou Livro do Desassossego? Sou, sem dúvida, mais húmus do que desassossego. 

4 comentários:

hmbf disse...

Discordo dessa parte em que "Húmus" parece remetido ao esquecimento. Não é verdade. Aliás, se assim fosse não seria uma obra tão influente - como dizes.

manuel a. domingos disse...

Referia-me à parte dos leitores. Penso que está esquecido pelos leitores. Apesar dos escritores também serem leitores.

hmbf disse...

Posso dizer-te que desde que sou livreiro já vendi mais exemplares do "Húmus" (há várias edições disponíveis) do que livros da Agustina. Também não era difícil, nunca vendi nenhum livro da Agustina. :-//

manuel a. domingos disse...

Olha: estás a dar-me uma boa notícia. Apesar de eu nada ter contra Agustina.

E em comparação com o "Livro do Desassossego"?