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Aqui estou eu, em Braga: a idólatra. Enquanto a hora certa não chega, caminho pelas ruas onde já se sente a noite de São João. Barracas de farturas, bancas de sorvetes e não resisto à tentação de comer um, pecado que me fica em dois euros, mais a recordação do tempo em que eram vinte e cinco escudos e mesmo nessa altura só em dias de festa, embora o meu pai, às vezes, me levasse a comer um numa barraca que ficava junto à Igreja de São Pedro, mas que depois foi desmantelada porque ao Domingo a missa decorria com o barulho da cerveja bebida antes do almoço. E ao andar pelas ruas dou com uma livraria, numa avenida cujo nome desconheço (ouço o som de uma gaivota), numa espécie de solar com um magnífico jardim onde se pode beber um sofrível chá gelado e onde gatos disputam o seu território, valendo-se, para isso, de muitos ffffffffff e miaus-aus (passaram por mim quatro, ignorando-me completamente apesar dos meus esforços de bichinho-bichinho). Os livros amontoam-se e podemos, no meio deles, encontrar exemplares de livros que não encontramos noutras livrarias ― minhas rosas raras, vou embora ― ouço uma rapariga dizer atrás de mim, ao despedir-se do seu grupo de amigos ― mas espero mais um pouco, não quero cheirar a tabaco e ter de inventar uma desculpa qualquer à minha mãe que ainda me pergunta então, tiveste a estudar ou ― como por exemplo livros de Kerouac e de Burroughs que estão completamente extintos noutras livrarias apelidadas de generalistas. Mas o que realmente importa é que estou em Braga: a idólatra e a confusão aqui não é menor do que em Ponte de Lima, onde se preparam para a Vaca das Cordas, e de onde eu saí para evitar a confusão (agora é a vez de ouvir um cão ladrar ali, atrás daquele muro), tarefa que será impossível, pois será todo o fim-de-semana. Mas aquilo que realmente importa é que amanhã será o dia mais longo do ano, o dia em que o Verão começa, só que não há maneira de o Verão começar (um gato preto vigia-me com uns olhos profundamente amarelos e num segundo plano um outro gato, cor de chumbo, lambe-se e, lá mesmo ao fundo do jardim, uma cria aninha-se para passar despercebida, mas não consegue) e, apesar de sofrível, peço mais um chá gelado e dou conta que atrás de mim está um jovem casal de namorados a estudar. Ela cheira bem. De repente, lembro-me que nunca estudei com nenhuma namorada, muito menos numa esplanada. A verdade é que não tive assim tantas namoradas e a única que tive mais a sério (pois durou mais de seis meses) gostava de estudar sozinha em casa. Mas também não andávamos no mesmo curso e o estudo, assim, em conjunto seria um pouco mais complicado. Isso, a mim, não me aborrecia nada, pois enquanto ela estudava eu podia ir ter com a malta e beber umas cervejas, enquanto esperávamos pelo jantar. O casal partilha uma fatia de bolo de chocolate, que tem um aspecto fantástico. Os gatos continuam por aqui a circular como se fossem os donos disto tudo. Talvez o sejam. De quando em quando ouvem-se sinos a ribombar, o que não é nada estranho tendo em conta que estou na cidade dos arcebispos (um gato afia as unhas numa superfície que não consigo identificar e reparo que são todos magros mas incrivelmente elegantes e o mais pequeno aventura-se um pouco mais perto do lugar onde estou acompanhado dum siamês). Entretanto chegam uns turistas e os gatos desaparecem todos.

Braga, 20 de Junho de 2014

1 comentário:

bea disse...

Hummm...tb não estudei com nenhum namorado. Nada que me importe, aliás. A pena que eu tenho é de nunca me ter faltado o chão nos jardins da Gulbenkian. No tempo em que o chão me faltava por qualquer coisinha, claro. Agora torço pés, tropeço em raízes e vou-me sentando banco aqui, banco ali. É tudo outra coisa. Eu serei outra, mas A gulbenkian, é pá, ainda é a mesma. Hélas!
Braga, sua livraria com chá gelado e gatos a esmo, pertencem ao autor do texto.