Hoje para morrer
Hoje, para morrer era preciso
que a música viesse. E nos beijasse
as pálpebras por dentro. E um sorriso
desceria da água à nossa face.
Tudo seria finalmente liso
como um rio que nunca mais passasse.
Tudo seria tudo, não sendo preciso
um relógio qualquer que nos guardasse
o grande amor que então percorreria
o corpo. Chamar-lhe-iam gravidade,
ou peso, ou nada, ou, simplesmente, fria
inércia, fim. Mas quem respira sabe-
-lhe a fundo o nome. De raiz diria:
"amor irresistível. Terra. Ou nave."
em Gazeta
Literária (1961),
retirado Antologia
da Novíssima Poesia Portuguesa (org.
Maria Alberta Menéres e E.M. de Melo e Castro), 2ª edição
revista, actualizada e com uma nova introdução, Lisboa: Livraria
Morais Editora, Colecção Círculo de Poesia, 1961, pp. 318-319.